terça-feira, 28 de abril de 2009

Aceitar a vida é o mesmo que se entregar?


                             A recomendação mais clara que se faz a todo aquele que deseja obter algum tipo de transcendência espiritual começa a partir da aceitação da vida, ou seja, da inibição do ego, do poder da mente sobre o sentimento da pessoa e, consequentemente, sobre a frustração causada pela falta de tal aceitação. É comum, no entanto, haver uma certa confusão quando aos conceitos de aceitação e entrega, principalmente por pessoas despreparadas ou que ainda não estão maduras o suficiente. Mas o que seria mesmo essa tal aceitação? Devemos agir passivamente diante dos fatos que nos acontecem? Qual o verdadeiro significado do Wu-wei taoísta, do Za-zen budista, da Forteleza cristã? Qual o verdadeiro significado do “olhar do iluminado”? Será que aceitar a vida significa se entregar à vida? Aceitar significa desistir?




                             Bom, até certo ponto sim, mas é necessário saber do que exatamente se desiste. Não é certo falar que se desiste da vida, quando se aceita a vida. Desiste-se do ego e da mente, quando se aceita a vida. Por isso, aceitar a vida não é o mesmo que entregar-se à vida. Não é o mesmo que entregar os pontos e aceitar tudo de forma passiva, como se a pessoa fosse impotente perante as dificuldades e testes a ela impostos. Quando se passa por uma situação em que há dificuldades, é bem nítido que a pessoa feche a cara, reclame da situação, deseje uma outra situação de vida para se viver, etc. Mas é exatamente aí que a pessoa está tentando nadar contra a maré. Ela não está aceitando a vida dela. Ao tentar ir contra e não aceitar, será gerado (em maior ou menor grau) frustrações e descontentamentos, ou seja, sofrimentos. Esse é o tipo de situação que não é vivenciada pelas pessoas que simplesmente aceitam, pelas pessoas que estão em busca da transcendência espiritual (perceba que a palavra transcendência significa superação. Como é possível haver superação se a pessoa se sujeitar e não lutar?).



                             Aceitar a vida é perceber-se dentro da situação em que se está e “dançar” conforme a música, ou seja, se você está com dificuldades e problemas, a sua aceitação seria desafiá-los e vencê-los com um belo e disposto sorriso no rosto. O contentamento da vitória de certo será maior do que a frustração da sensação de impotência mediante algo que é de difícil superação. Ao se entregar, no entanto, permite-se que você seja encoberto e sufocado pelos seus próprios problemas, pois, ao agir de forma passiva, eles irão te inibir, fazendo que você sofra mais ainda. Isso não é aceitação. Isso é entrega. Isso é rendição. Quando a pessoa se rende (pense numa luta, metonimicamente), ela está assinando a sua derrota, ou seja, deixar-se entregar ou tentar ignorar os problemas da vida não irão resolvê-los e o sofrimento não irá desaparecer. A verdadeira superação ocorre quando se aceita a vida, quando se permite que a vida aconteça com satisfação. Aceitar a vida é viver a vida em todos os seus aspectos com um “olhar ilmuninado”, com uma satisfação estampada no rosto e profundamente entalhada na alma. Essa tal satisfação gera um grau de “paz interior” que permite que a pessoa permaneça firme perante sua caminhada, firme perante as situações da vida, fazendo com que ela não se desespere e sofra mediante qualquer empecilho ou obstáculo que ela encontrar.




                             Pessoas fracas não suportam passar por dificuldades. Culpam a si mesmas, maldizem sua situação de vida, praguejam, culpam aos outros. Mas nunca percebem que esse tipo de atitude é a que mais prejudica a elas próprias. Aceitar a vida é ter a luz no olhar, é perceber que independente do que ocorra, é necessário estar sempre presente no Aqui e Agora e vivenciá-los plenamente, “dançando” conforme a música, “nadando” no sentido da correnteza, mas não ficando “parado” na pista de dança ou tentando “nadar” contra a correnteza. Com certeza, isso geraria ainda mais sofrimento. Mas então é isso? Essa capacidade de aceitação é o que determina se uma pessoa é transcendente, iluminada, etc? Sim e não. Sim, porque isso é um dos elementos indispensáveis a qualquer pessoa. E não, porque apenas isso não basta, não é suficiente. Há ainda muita coisa que necessita ser incorporada à pessoa que busca a transcendência espiritual. Tudo precisa ser bastante trabalhado.




Tudo Posso (Celina Borges)



                             Ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, a transformação búdica não ocorre de súbito. A iluminação não ocorre dum momento para o outro. Ela é um processo trabalhável e moldável. O que ocorre de súbito, na verdade, é a mera compreensão de uma realidade infinitamente superior a que se tinha costume. Esse tipo de revelação que, geralmente, ocorre de súbito foi muitas vezes interpretado como uma iluminação. Na verdade, a iluminação é algo que deve ser mantido durante toda uma vida. Se a vida não dura um lapso de tempo, a iluminação também não irá durar esse lapso. A iluminação não é uma jaula que irá tirar a liberdade de escolha da pessoa. A pessoa sempre tem o direito de escolher o que fazer da sua vida, ou seja, se a iluminação fosse algo que acontecesse de súbito, a pessoa não mais teria a oportunidade de se decidir em aceitar essa condição ou não. Ela estaria fadada a viver nessa situação. No entanto, a partir da compreensão que ocorre de súbito, cabe a cada um escolher viver e aprimorar essa revelação ou negligenciá-la, abandonando-a. É mentira que a evolução do espírito humano só ocorre no sentido do negativo para o positivo. Embora seja ainda chamada de evolução (cármica ou espiritual), a pessoa pode muito bem escolher migrar de um pólo mais positivo para um mais negativo, lembrando que o livre arbítrio é a lei máxima que rege o universo.




Deus é Maior (Flavinho)



                             Concluindo, aceitar a vida não é o mesmo que se entregar à vida. Entregar-se implica uma sujeição, uma subordinação. Aceitar implica uma superação, uma verdadeira transcendência espiritual.






(Texto de autoria própria. Publicado pela primeira vez em abril de 2007.)
(Versão atual readaptada com imagens novas.)







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3 comentários:

- Mizi - disse...

"Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firme na justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação;
humilha teu coração, espera com paciência, dá ouvidos e acolhe as palavras de sabedoria; não te perturbes no tempo da infelicidade, sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, a fim de que no derradeiro momento tua vida se enriqueça. Aceita tudo o que te acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência. Pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação." (Eclesiástico 2, 1-5).

- Mizi - disse...

Oração da semana:

"Senhor, dê-me forças para continuar nos teus caminhos sem vacilar. Dê-me ânimo para aceitar minha situação de vida atual com satisfação, alegria e felicidade. Dê-me disposição para que eu busque sempre melhorar naquilo que puder ser melhorado, e que eu nunca me contente com qualquer situação ruim ou de sofrimento em minha vida, mas que eu possa saber acolhê-las de bom grado, feliz por ter a oportunidade de superá-las. Que eu possa sempre encarar os desafios, sem me lamentar. Que eu busque sempre me aprimorar, quando possível, sem no entanto desdenhar ou reclamar da minha situação de vida atual, pois o que tenho mereço, e sou grato a Ti por tudo o que já possuo. Que eu possa, enfim, saber aceitar minha vida, como Tu mesmo aceitaste a Tua, não fugindo da cruz, não procurando caminhos fáceis, não desistindo de tudo ou fingindo que os problemas não existiam, mas encarando o desafio de frente. Muito obrigado. Amém."

Juju disse...

É verdade... e como tudo de bom que existe na vida, é de difícil alcance...
;)