domingo, 31 de maio de 2009

A Dor e o Sofrimento


                             O que é dor? O que é sofrer? Alguns mestres dizem que a vida é sofrimento. Mas será mesmo que estamos todos fadados a sofrer? Até que ponto irá a miséria humana? Não há ninguém que possa nos consolar e fazer suportar tudo isso? Afinal, qual o objetivo de tanta tristeza, tanta dor? Questões como essas nos fazem refletir sobre o sentido da vida. Buda nos disse que Vida é sofrimento. Se é verdade que ela existe para que soframos, então devemos de fato sofrer. Mas será que sofrer é sinônimo de sentir dor? Será que o iluminado mestre Buda não estaria se referindo ao sofrimento da carne, à dor da matéria e às vicissitudes a que ela está fadada quando formulou sua nobre verdade? Tudo que existe morre; tudo que existe está fadado à efemeridade, mas não à tristeza e infelicidade. Não aceitar essa nobre verdade é apenas ir contra a natureza da existência. E ir contra a natureza da existência é de fato sofrer. Todo sofrimento vem do desejo de não sentirmos dor. Portanto, há a Dor e o Sofrimento. Sentir dor é inevitável, mas sofrer por isso é opcional. Acredito que a palavra usada por Buda em seu Dharma, não significava propriamente “Sofrimento”, “tristeza”. "Dukka" significava tão somente “Dor”, ”Efemeridade”, ou seja, algo ligado à existência das coisas, e não à essência das mesmas, o que corrobora a sua outra "Nobre Verdade" de que a Realidade é ilusão (maya), e que para além dessa existência material há uma outra onde não há dor, não há efemeridade, não há tristeza. Buda chamou isso de Nirvana e disse que adentrar nele é superar a ilusão da realidade.



                             Talvez o termo "Dukka" fosse melhor traduzido (nos padrões ocidentais da língua latina) como sendo "A Nobre Realidade", ao invés de "A Nobre Verdade", já que estamos acostumados a atribuir ao termo "Verdade" um caráter totalmente essencial e transcendente, identificado com Deus em si mesmo. E assim, por sabermos que em Deus não há dor ou sofrimento algum, não podemos chamar "Dukka" de Nobre Verdade. Aliás, todas as Nobre Verdades budistas possuem como padrão de referência a vida terrena e não a transcendência da mesma. Seriam melhor traduzidas como "As 4 Nobres Realidades". Mas a despeito dos termos linguísticos utilizados, o que não pode de fato ocorrer na vivência humana é a nítida confusão entre a realidade e a essência, ou, no caso em que estamos analisando, entre a Dor e o Sofrimento. Enquanto que o termo Dor se refere mais propriamente às coisas da matéria, o termo sofrimento diz respeito às coisas abstratas, como as mentais e as espirituais. Assim, dizer que sentir Dor é necessariamente sofrer, é uma mentira. Há quem sofra sem sentir dor (os profundamente iludidos, os depressivos, os mimados, etc). E há quem sinta dor sem sofrer (os que transcendem à realidade da matéria). Entre sentir dor e sofrer, confesso que nenhuma das duas situações é de fato desejável. Mas é infinitamente mais espiritualmente nobre sentir Dor sem sofrer do que sofrer sem sentir dor, já que a Dor é inerente ao viver terreno, enquanto que o sofrimento nada tem a ver com isso. Se a Dor é uma realidade inevitável, como diz Buda, então há muito mais virtude em sentir a Dor do que em sofrer pela mesma. Ao permitirmos que as situações materiais nos aconteçam sem que isso provoque mudanças em nossa condição espiritual e em nossa paz interior (ou seja, sem que soframos), estamos dando provas de que estamos no caminho da transcendência, ou seja, da superação da realidade, de que estamos vivendo segundo o espírito, e não segundo a carne. Quando assumimos uma postura receptiva com relação à vida, tudo o que nos acontece é apenas parte de uma grande evolução e mutação da nossa mera condição terrena. Entender o que se passa com nosso corpo e organismo é aceitar a natureza efêmera dele. Dessa forma, podemos obter a paz interior e parar de sofrer com a dor física. O que acomete nossos corpos (materialmente falando) não pode ser motivo de preocupação espiritual, pois Deus habita em nosso âmago e nos fortalece.

                             Nas palavras do Cristo: “Bem-aventurados são os que por hora choram, pois serão consolados”. O que será que ele queria dizer com essas palavras de mistério? Será que agrada a Deus que soframos? NÃO! Deus é plenitude e é eternamente BOM. Nele não há espaço para imperfeição, tristeza ou sofrimento. Pelo contrário. Cristo não disse que "são abençoados os que choram, porque chorar é o caminho certo". Disse que "são abençoados os que choram, pois aqueles que choram na esperança do reino de Deus obterão a consolação do Paráclito, o Espírito Santo de Deus". E o Espírito Santo de Deus é a superação da matéria. É a certeza que obtemos de que não é mais necessário chorar, que tudo passou e vai ficar bem, pois nosso espírito está nas mãos de Deus. É quando o que chora cessa seu soluço e espera pacientemente por dias melhores na paz do Senhor, lutando por sua vida, não reclamando, mas aceitando a tudo com boa vontade. Por acaso há algum bem-aventurado que não tenha superado o sofrimento da dor física? A grande Verdade é que a dor nos fortalece espiritualmente, pois é através dela que buscamos a conexão com o Divino (por isso são benditos os que choram, pois encontrarão a Deus). Além disso, é por meio da realidade da dor que aprendemos a ter compaixão pelos outros e a sermos solidários com a dor alheia. Talvez seja esse o propósito da Dor: o de fazer toda e qualquer criatura, mormente o ser humano, se reencontrar com a Suprema Essência em seu âmago, e o de manter unidos os homens sobre um propósito (o de superar a dor). O que não nos mata nos fortalece. De fato, só sabe o que é paz e felicidade interior quem já sentiu a tristeza e o sofrimento. E só entende a dor e o sofrimento alheio aquele que já passou por uma experiência semelhante. Transcender a condição do sofrimento é apenas um caminho (um passo) em direção à paz interior e à esperança de dias melhores.



                             O nome que Cristo dava ao Espírito Santo era Paráclito, que significa “O Consolador”. O Espírito de Deus está sempre a nos apoiar para que suportemos as dificuldades que são inerentes à vida. Deus não quer, de modo algum, que não sintamos a dor ou que sejamos uma exceção à efemeridade da matéria, mas sim que a superemos com a determinação de nossos espíritos. Se assim não fosse, Deus teria privado seu Cristo de sofrer ardorosamente na cruz. No entanto, foi o contrário que ocorreu. Cristo não se absteve de sofrer, nem de sentir dor, mas superava tais condições e habitava na Paz do Espírito. Jesus viveu em tudo a condição humana, exceto o pecado. E isso significa que Jesus conheceu a dor e o sofrimento. No entanto, soube superar a matéria quando percebeu que a dor física era inevitável e que o sofrimento era opcional, podendo ser superado. Ele venceu o deserto, venceu o pecado, venceu a tudo e, por fim, venceu a morte. Ao fim de sua missão na Terra, Ele disse: “No mundo, haveis de ter aflições. CORAGEM! Eu venci o mundo!”. Se é Verdade que Cristo é Deus em epifania, então o próprio Deus nos provou que é possível a superação da dor. Ele não nos manda que cumpremos uma lei impossível. É impossível fugir da Dor, pois a dor faz parte da realidade concreta, da matéria. Mas é totalmente possível fugir do sofrimento e superar tal condição. Quão grande amor não teve Deus ao se rebaixar à condição humana para poder sentir dor e sofrer conosco? É nesses momentos que fico a pensar no que todos os profetas, mestres, iluminados, Cristo, santos, mártires, budas, bodhisattvas e demais pessoas de bem fizeram para que pudéssemos compreender esta Verdade: a de que o sofrimento é superável.

                             Mas isso é simplesmente muito difícil ao ser humano. O ser humano GOSTA de sofrer. Freud, em suas teorias psicanalíticas, dizia que o homem tem prazer em sofrer (como uma platéia que se deslumbra com os truques ilusórios de um mágico de circo). Mas por que o homem se deslumbra com a ilusão da dor? O homem é masoquista? Não. É porque isso amacia seu ego e o coloca em posição vulnerável perante a sociedade. Pessoas tidas como “vítimas” são sempre bem tratadas pelos outros. Quando o homem sente prazer em sofrer está na verdade em busca de ser amado. Só que faz isso pela via errada. Será que é por isso que é tão difícil ao ser humano deixar de sofrer? Deixar de sentir tristeza? Será que no fundo é tudo culpa do ego? Se as pessoas se amassem incondicionalmente, não precisariam se utilizar de subterfúgios, como a dor, para se sentirem amadas. O problema humano, nesse caso, não é cultural, mas sim espiritual. Deveríamos amar o próximo SEMPRE, como o Cristo nos recomendou, pois é o amor que sara e cura todas as dores, doenças, solidões, tristezas e fraquezas. Quando o homem AMA, deixa de se apegar a mentiras (dor, sofrimento, tristeza), e se apega à verdade (a essência espiritual que é Deus e que pode ser encontrada em todo ser vivente). Por que é tão difícil ao ser humano amar seu semelhante? “Se Deus fez as coisas para serem usadas e as pessoas para serem amadas, por que amam-se as coisas e usam-se as pessoas?” Devemos nos desapegar o mais cedo possível de tudo que é ilusório e nos apegarmos a tudo que é verdadeiro. É difícil ao ser humano amar, porque exige um desprendimento de si mesmo. Amar é doar-se, e é justamente aí que o ego entra em perigo.

                             A Verdade da Vida é o Amor e não a Dor. Não estou dizendo que o budismo está errado, mas sim que pode ser mal interpretado devido à confusão linguística da tradução. Buda estava certo. Nós é que muitas vezes não o entendemos. Assim, quando Buda disse que Dukka (a dor) é uma Nobre Verdade, não estava dizendo que a Dor era Deus. Ele não usava o termo "Verdade" com a mesma conotação que nós ocidentais usamos. Pelo contrário, ele estava querendo indicar exatamente o oposto: que devemos ignorar as ilusões da realidade, inclusive da dor, para podermos enxergar a essência espiritual. Mas adaptando o ensinamento budista aos moldes ocidentais, podemos dizer que a "Verdade da Vida é o Amor, e não a Dor". A Dor e o sofrimento são tão somente a Realidade das coisas e não a Verdade. Se fosse Verdade que a Vida é sofrimento, não teria razão para a transcendência budista (Nirvana), nem para a própria existência das religiões. As pessoas se apegaram tanto à “nobre verdade” budista que a transformaram em “mentira”. Apegaram-se tanto à palavra “sofrimento” que a transformaram em um Deus imutável e inevitável, do qual não podemos escapar. Saíram do caminho do meio para entrarem no “extremismo” do termo “Dukka”, generalizando-o para tudo. Só que esse não é o verdadeiro budismo. Dukka não é tudo. Buda nunca disse isso. Ele disse que a matéria é Dukka. E a matéria não é tudo. Assim, Buda não disse que Dukka é tudo. Dukka não é tudo. Apenas Deus é tudo, e Deus não é Dukka. Definitivamente, “Vida” não é sofrimento. “Viver”, sim, é sofrer. Mas viver é apenas parte da grande jornada da alma humana e que deve ser transcendida. E toda Dor é de fato superada quando entramos em contato com a Verdade Suprema, a infinita essência que invade nossos seres. Encontrar a paz, a harmonia e a alegria em meio à dor e às vicissitudes é transcender à condição da efemeridade da matéria humana e adentrar na condição verdadeira da espiritualidade da essência humana. Muitas pessoas têm demonstrado tal garra: povo sofrido, povo feliz!




Muitos Choram (Rosa de Saron)

O vento bate na janela,
E eu busco asas pra voar,
Pra bem mais perto de você,
Bem mais perto de você.

Estamos livres, mas sozinhos, abandonados
Por quem tinha que nos entender,
Por quem tinha que nos defender.

Refrão:
Hoje muitos choram, mas não desistem de viver.
Hoje muitos choram sorrindo. (2x)

A vida passa como um rio,
E não é mais tudo tão lindo.
Nos resta apenas confiar em Deus,
Nos resta apenas confiar.
São só palavras e promessas dissimuladas, sem noção,
Que muitas vidas correm em suas mãos,
Que muitas vidas correm em suas mãos.

Refrão:
Hoje muitos choram.
Hoje muitos choram sorrindo.




(Texto de autoria própria republicado com algumas alterações)
(Original publicado pela primeira vez por volta de agosto de 2007)





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2 comentários:

Cris disse...

Oi Mizi.
Muito bom esse texto.
Não sabia que o Espírito Santo era chamado de Paráclito por Jesus, assim como não sabiaque isso significava "O Consolador".
Aliás, esse termo, "O Consolador" é muito usado na doutrina espírita, mas só agora lendo seu texto entendo o porquê.

Essa questão do sofrimento sempre me trouxe muitas dúvidas, não apenas em relação ao budismo, mas dentro do próprio espiritismo, da igreja católica e das evangélicas.
Seu texto é muito esclarecedor.
Eu nunca compactuei com essa ideía de que devemos sofrer, que Deus quer isso. Achei excelente essa diferenciação entre dor e sofrimento.
Então não é o sofrimento que nos faz crescer e aprender mas a dor. Muito bom.
bjo

- Mizi - disse...

Isso mesmo, Cris. Acho que a idéia que eles tentam passar é a de que o homem precisa passar pela "provação", e não que tem que sofrer sempre. Aliás, se o sofrimento não tivesse fim, que necessidade haveria de se passar pela provação ou pela dor? Não seria uma passagem, mas sim uma estagnação

Ainda bem que o Espírito Santo vem em nosso auxílio.

Abraços, querida Cris.