quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O AMOR NOS TORNA RESPONSÁVEIS - Parte XII


12. Convite à Coragem

                              Os gritos dos homens sem fé parecem mais fortes do que os gritos dos homens que trazem uma mensagem de salvação para a humanidade. As armas dos que querem construir um mundo sem Deus parecem mais fortes, mais poderosas do que as armas dos que querem construir um mundo melhor, no qual se possa sentir facilmente a presença de Deus.

                              A coragem dos que preparam a guerra, a destruição do homem pelo homem, dos que lutam pela auto-suficiência do homem, parece mais motivada e mais forte do que a coragem dos homens que lutam pela paz e pela construção de um mundo melhor.

                              Ao redor de nós, há uma multidão. No meio dessa multidão, algumas pessoas lutam para crescer. A multidão se instalou como num trem noturno. Cochila, dorme, levada pela máquina embalada pelo ritmo da monotonia. Saberá essa multidão para onde vai? Saberá o sentido da viagem? Acordará ao chegar na estação?

                              Dentro da humanidade que dorme, apenas poucos velam, ficam acordados, conscientes de seu destino, e alertas para o caso de alguma coisa acontecer aos demais, alertas para o caso de serem requisitados, para o caso de sua ajuda ser solicitada. Alguns realmente dormem e não têm consciência de sua missão. Alguns, porém, apenas fecham seus olhos e ignoram as necessidades alheias e seu dever de amor para com aqueles viajantes. São conscientes omissos. Fazem de conta que dormem porque não querem se envolver, ou porque acreditam que "alguém" mais que está acordado irá ser solícito. Dentro da multidão que se agita dentro do trem, alguns dormem, outros vigiam, e outros apenas parecem correr num movimento físico de corpos que se cruzam, que se chocam, ou que se desviam, permanecendo as mentes num sono profundo.

                              Um grupo de homens está vigilante, tentando acordar a multidão com seus gritos, que ficam abafados pela indiferença ou pelas canções de ninar que os homens das trevas cantam tendo como melodia permanente o dinheiro, o conforto próprio, a fama, o trabalho lucrativo decorrente da exploração do homem pelo homem, e outras realidades que acomodam o homem em si mesmo e impedem que ele se compadeça da situação do outro, que faz com que ele continue fechando os olhos e dormindo (ou fingindo dormir).

                              No entanto, o cristão deve ser como o próprio Cristo. E Cristo escolheu ser o despertador da humanidade. Quem escolheu ser despertador da humanidade não pode dormir. O cristão deve ser também um despertador da humanidade. Não pode dormir, não pode fingir estar dormindo. Deve vigiar e estar sempre em alerta, sempre à disposição, sempre solícito a ser requerido, sempre de coração aberto a todas as situações e a todas as pessoas. Alguns cristãos, totalmente despertos, conscientes, fingim dormir por terem medo de se envolver. Ou fingem dormir por não quererem se envolver, por desejarem mais o conforto de si mesmo, do que o desconforto de ter que fazer algo. Cristo ama essas pessoas que dorme ou mesmo as que fingem dormir. Mas Ele ainda as exorta: "Não podeis vigiar comigo nem mesmo uma hora?"

                              O que será da humanidade se os cristãos dormirem? E se não houver ninguém desperto quando o trem chegar ao seu destino? O que acontecerá? Os despertos que gritaram para acordar a todos sairão do trem ao abrir das portas, levando junto aqueles que conseguiram acordar. Os que dormem ficarão no trem? E o que dizer dos que fingem dormir? Abrirão os olhos hipocritamente e sairão do trem, deixando aqueles que deveriam ter acordado para trás, sem dó nem piedade?

                              A pergunta que cabe é: "Se Deus morreu por todos para que pudesse redimir a todos e a todos salvar, então até onde poderá ir o comodismo do ser humano? Até onde vai a nossa responsabilidade? Quais são os limites da ação humana? Onde começa e termina a ação do homem, e onde começa e termina a ação de Deus? Afinal, se o amor nos torna responsáveis, até onde vai essa responsabilidade? Qual o real sentido da vida do ser humano, principalmente daqueles que estão despertos? Até onde a ação ABSOLUTA de Deus no mundo poderá ser argüida em favor dos que figem dormir?

                              E depois desse julgamento, dessa sabatina, o que acontecerá? As portas se fecharão, e o trem voltará para outro circuito devolvendo os passageiros adormecidos para o lugar de onde vieram? Os que fingiram dormir, também voltarão arrependidos para tentarem acordar os que dormem? Ou sairão do trem? E se saírem do trem, serão aceitos na estação final, mesmo tendo sido omissos durante toda a viagem? Ou alguém em algum lugar ainda fará um último esforço para que todos acordem e saiam do trem na "estação terminal", o destino final onde todos deveriam saltar? Quem poderá responder a isso?



                              São questões fundamentais que a teologia vem buscando responder há milhares de anos. Porém, "nossos pensamentos não são os pensamentos de Deus, e nossos caminhos não são os caminhos de Deus". Então, o que significa confiar em Deus? O que significa ter coragem? Os que gritam durante toda a viagem confiam menos em Deus do que aqueles que cerram seus olhos propositalmente, confiando que no final Deus aceitará a todos da forma em que se encontrarem? "Nossos pensamentos não são os pensamentos de Deus, e nossos caminhos não são os caminhos de Deus". A teologia não tem respostas prontas para isso. Não se sabe se haverá uma segunda volta, um novo circuito nos subterrâneos do metrô. A teologia estuda Deus, da forma como Ele tem se manifestado no mundo, e, a partir disso, tenta traçar um perfil... mas é inútil. Porém, uma contribuição considerável a teologia nos dá. As certezas de que as promessas divinas se cumprem em sua totalidade. Assim, ela nos exorta para que façamos, de nossa parte, apenas aquilo que o PRÓPRIO DEUS parece ter pedido de nós. E que sigamos com confiança. Aos homens não cabe tentar responder àquelas perguntas, nem para se justificarem, nem para se acomodarem, nem para condenarem, nem por qualquer motivo que não seja exclusivamente o de tentar conhecer um pouquinho mais do coração de Deus.

                              Assim, devemos confiar nas sagradas escrituras e nas promessas de Deus. Não devemos saber o que acontecerá, devemos confiar que, de algum modo, Deus opera e trabalha para que todos sejam salvos "antes de o trem chegar", mesmo que Ele mesmo tenha pedido que todos nós "vigiemos" em constante oração, e que não caiamos em sono ou torpor. Mas para quê vigiar se Ele prometeu salvar a todos? Afinal, a catolicidade não prega a salvação universal por meio da redenção entre o Filho e o Pai? Como pode o Filho redimir a alguns e não a outros? E como podemos interferir nessa grande obra que Deus tem operado em prol dos homens? Como conciliar essas crenças aparentemente paradoxais sem duvidar do Amor infinito de Deus? Isso não é uma tarefa que caiba ao homem. É nosso papel fazer o que Ele nos pediu, e isso, além de confiança, também inclui responsabilidade ativa, ou seja: "que tenhamos ouvidos para ouvir, olhos para ver" e que não finjamos ver, mas que estejamos sempre vigiando, despertos, apesar de Cristo pedir também que tenhamos plena esperança na Sua ação em prol da salvação do mundo.

                              Uma é a verdade: Deus nos salva e nos redime das nossas faltas. Outra é a verdade: Ele pede que fiquemos despertos, que tenhamos coragem, que confiemos Nele. Mas como é essa confiança? Ativa ou passiva? Não existem duas verdades, nem pode uma verdade contradizer a outra. Somos limitados e não conseguimos entender os pensamentos de Deus. Mas se fôssemos bons cristãos, a exemplo do que o próprio Cristo fez, deveríamos ao menos ser obedientes à voz de Deus. Talvez a resposta seja simples. Alguns dizem: "que farei eu sozinho no meio da multidão que não segue os ideais de Cristo, a lei de Deus?"

                              Sozinhos não somos ninguém, mas, com Cristo (por Cristo e em Cristo), somos a força da humanidade. Apesar de todas as contradições e pontos de vista sobre o que significa "confiar em Deus", a verdade permanece: "O Amor nos torna responsáveis". Não devemos fazer tudo, nem ocupar o lugar de Deus na Obra que certamente é Sua. Mas também não cabe a nós ficarmos acomodados. Somos semeadores. Devemos ao menos lançar as sementes, para que Deus venha e faça todo o resto. Por que disso? Talvez seja por causa do livre arbítrio. Deus quer fazer tudo, mas não pode violar a vontade de sequer um homenzinho qualquer. Deus respeitará a livre vontade de todos, pois deseja um ser humano livre. E fará sua Obra de Salvação, sem violar nenhuma vontade humana. Logo, quase que lógico que ao homem ao menos é necessário que dê o seu "sim, nós queremos". E talvez, para Deus, isso se demonstre por meio da ação limitada do homem. O homem não deve fazer tudo, mas deve fazer algo ao menos. Deve ser semeador, ao menos. Um operário da grande messe, ao menos. Senão, Ele não havia pedido: "orai para que o Dono da messe envie mais operários".

                              Apesar de todas as contradições e pontos de vista sobre o que significa "confiar em Deus", a verdade permanece: "O Amor nos torna responsáveis". Com Cristo, não devemos temer manifestar o nosso amor (com Ele, por Ele e em Ele). Ele mesmo disse: "Crede em Mim; Eu venci o mundo."





(Texto de Wilson João, retirado do livro "O Amor nos torna responsáveis")
(Adaptação e correção gramatical por Mizi)





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