quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O Sequestro da Subjetividade e o Desafio de ser Pessoa - Parte I



(Pe. Fábio de Melo)




A Subjetividade e Suas Implicações*.

                             Subjetividade é toda a estrutura que tem referência direta ao sujeito particular. Ela é o que há de mais profundo e irrenunciável na criatura humana. É o estatuto mais íntimo, o lugar onde o “eu” sobrevive.

                             A definição dos termos pode nos ajudar. Subjetividade é caráter ou qualidade do subjetivo, e subjetivo é tudo aquilo que é pertencente ou relativo ao sujeito.

                             De acordo com as regras gramaticais, o sujeito é o ser que realiza a ação do verbo. O sujeito é que dá movimento às frases. Interessante. Sempre que age, o sujeito age a partir de seu mundo, de sua história pessoal, de seus valores, limites, possibilidades. Sua ação é sempre carregada de história, motivos, razões.

                             A subjetividade é o contexto que engloba todas estas particularidades imanentes à condição de ser sujeito, e é muito mais. Ser sujeito extrapola os limites da corporeidade, que age, movimenta e cria fatos. Um sujeito é um mosaico de desejos, temores, paixões, sentimentos, angústias, sentidos, mistérios. Realidades que são universais, mas que acontecem de maneira muito particular em cada um de nós. Por isso, a subjetividade possui um caráter sacral, pois confere ao sujeito a possibilidade de estar no mundo de maneira única e irrenunciável.

                             Um objeto, por exemplo, pode ser repetido, mas um sujeito nunca. Um objeto pode ser manuseado e ocasionalmente dispensado como peça que perdeu a utilidade, mas um sujeito, não. A sua subjetividade o diferencia no mundo e o coloca como valor a ser respeitado.

                             Veja bem, a vida é sempre plural e singular. Viver é experimentar constantemente a dinâmica desses dois lugares. Quando somos plural, só o podemos ser se estivermos na posse de nossa singularidade, caso contrário, a pluralidade nos esmaga.

                             Observe um mosaico. Nele há uma multiplicidade de peças. O mosaico é plural e só existe porque as peças saíram de suas singularidades. Só assim ele pôde ser formado. Mas, para dar forma ao mosaico, as peças não precisaram abrir mão do que elas eram. Não foram negadas, e sim passaram a compor um todo que jamais conseguiriam sozinhas.

                             A subjetividade refere-se a esta capacidade que o ser humano tem de ser singular. Antes de ser comunidade, o ser humano é pessoal, particular, reservado, privado, porque segue a mesma regra do mosaico. Junta-se aos outros para compor um todo, mas não deixa de ser o que é.

                             É por isso que o contexto da subjetividade é bastante complexo. Ele é a casa de todas as riquezas humanas. Ele funciona como a escritura de um território, como ponto de partida, pois é nele que o ser se firma para ser o que é, e dele sai para ser como os outros.

                             Instigante. Ser o que somos requer cuidados. Não é possível ser somente na solidão. O singular é tocado o tempo todo por outro singular, e assim nascem os encontros. Toda relação é um encontro de subjetividades. A vida é feita desses encontros.

                             Nem sempre as subjetividades são materializadas. Ler um livro, por exemplo, é receber o autor e seu jeito particular de compreender o mundo a partir daquilo que ele escreveu. Uma subjetividade que chega, mesmo que o corpo não tenha vindo junto. O livro o representa. O livro nos faz encontrar.

                             Duas pessoas que casualmente se conhecem são duas subjetividades que se esbarram. Se crescem no conhecimento, existe então a possibilidade de suas singularidades se pluralizaram, se misturarem e se influenciarem.

                             É uma dinâmica maravilhosa. Nossos melhores amigos chegaram em nossas vidas pela força desses encontros casuais. Grandes amizades podem nascer de esbarrões inusitados. O contrário também é verdadeiro, os inimigos também chegam pela força desses encontros.

                             A grande questão que precisamos ter diante de nós é a seguinte: nos encontros que realizamos, como é que fazemos para não perder de vista o que somos? Como viver a dinâmica de um mundo que é plural, sem que nossa subjetividade corra o risco de ser sufocada, seqüestrada?

                             O desafio é constante. O risco é iminente. É muito fácil perder a liga existencial, o cordão que nos costura a nós mesmos. É muito fácil a gente se perder na pluralidade do mundo. É muito fácil entrar nos cativeiros dos que nos idealizam, dos que nos esmagam, dos que nos viciam, dos que pensam por nós.
É muito fácil ser roubado, levado e aprisionado no pensamento que nos impede de crer no valor de nosso potencial. Os cativeiros são muitos, diversificados, mas a dor é semelhante. É a dor de quem está componde o mosaico sem saber o que é. Entrou no todo, mas não tomou posse da parte. Misturou-se ao mar, mas não sabe o rio que é. Subjetividade esmagada, desagregada, seqüestrada.

(...)


                             O que podemos perceber é que a estrutura social em que estamos situados é fortemente marcada pelas relações que seqüestram. É o seqüestro da subjetividade tudo aquilo que nos priva de nós mesmos. Até mesmo nas pequenas realidades, as mais simples, há sempre o risco de que estejamos abrindo mão de nossos valores em detrimento da vontade de seqüestradores que em nada estão comprometidos com nossa realização humana.

                             É seqüestro da subjetividade todo o processo que neutraliza e impede o ser humano de conhecer-se, passando a assumir uma postura ditada por outros.

(...)


                             É seqüestro da subjetividade a redução da experiência religiosa ao horizonte histórico, dissociado de uma esperança que extrapole a experiência do tempo, assim como também é seqüestro da subjetividade a experiência religiosa que esquece o cheiro humano da dor, da desesperança e que se limita a promessas de um céu futuro, sem implicações históricas.

                             Há seqüestro da subjetividade cada vez que o coletivo prevalece sobre o particular, massacrando-o em vez de incorporá-lo como parte irrenunciável. Mas é também seqüestro da subjetividade cada vez que o sujeito é valorizado em detrimento de uma multidão que perde a voz para que ele possa gritar sozinho. Há seqüestro da subjetividade quando alguém, no exercício de imaginar, projeta o outro como personagem, e com ele estabelece uma relação baseada na falsidade que despersonaliza e aprisiona. Jura a promessa de um amor eterno que se desdobra em cruel forma de prisão.

(...)


                             Há seqüestro da subjetividade cada vez em que o sujeito é desconsiderado como organismo vivo, colocado na condição de mecanismo, objeto manuseável.

(Continua...)





*(Texto de autoria do Pe. Fábio de Melo. Retirado do livro "Quem me roubou de mim? O seqüestro da subjetividade e o desafio de ser pessoa").



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Um comentário:

H K Merton disse...

Paquitão, esse padre, heim? Hehehe...

Você sabe que quando eu fui levado de volta à religião católica, - porque é assim que eu defino, eu não procurei, eu fui levado, - eu cheguei à Igreja com toda má vontade. Como contei lá no meu blog, eu não queria nem pensar em me tornar um católico... Catolicismo me parecia tudo de atrasado, tudo de retrógrado, de superficial, de perda de tempo...

Mas como tudo me conduziu a isso, tudo conspirou para que a minha visão se abrisse, assim também os padres.

Eu sei que tem muito padre sem noção por aí, pelo que ouço falar, mas os padres que eu conheci (e conheço) são maravilhosos! Nenhum dos padres que fizeram parte da minha vida me decepcionou em nada, uma coisa realmente impressionante!

Se vc morasse em São Paulo eu ia lhe dar umas dicas de alguns padres maravilhosos, que vale a pena a gente procurar só pra bater um papo e mudar de vez esse conceito distorcido que paira no ar a respeito da Igreja...

E esse Fábio de Melo parece ser um desses. Não li o post na íntegra (para variar, estou na maior correria) mas pelos trechos que li, já deu pra pereceber que se trata de um daqueles paizões que sempre tem a palavra certa pra quem precisa.

Assim que possível eu volto pra ler o post na íntegra. Melhor, vou imprimir e ler assim que tiver uma brecha no trabalho.

Pessoal, pra quem mora em São Paulo, vou deixar uma dica: procurem o Pe. Marcelo Monge (o sobrenome dele é esse mesmo) da Paróquia São João Batista do Brás, na Celso Garcia, altura do 600... Garanto que vai valer à pena.

Querido amigo e irmão, um bom dia pra você, e a Paz do Nosso Senhor nos acompanhe!