sábado, 21 de março de 2009

A Verdadeira Essência


                             Um dia desses parei para pensar: “nossa, quantos tipos diferentes de religiões existem, não é mesmo?” Só de religiões mais antigas e tradicionais temos 3 ocidentais (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) e 6 orientais (Hinduísmo, Budismo, Zen-budismo, Confucionismo, Taoísmo, Xintoísmo), sem contar as demais formas de religião ou igrejas que derivam dessas principais. Aí, então, continuei a pensar: “Como pode Deus ser um só e estar em todas essas religiões tão diferentes? Será que Deus é um só? Será que há vários deuses? Ou será que Deus ou deuses não existem e todas essas religiões não passam de expressão cultural e folclórica de um determinado povo? Com isso na cabeça, fui meditar até que encontrasse uma resposta ou explicação coerente que justificasse o movimento religioso humano. Não posso dizer que encontrei uma resposta, pois seria pura presunção de minha parte. Porém, algo me foi revelado que possivelmente aponte para um entendimento relativo. De fato, existem várias religiões, igrejas, movimentos, mas se há um Deus, esse Deus tem que estar presente, de alguma forma, em todas essas religiões, caso contrário não se trata de uma religião (lembrando que, conceitualmente, religião é todo e qualquer movimento, cultural, intelectual, científico ou místico que vise ao "religamento" do ser humano com algo transcendente).

                             Se há diferenças entre as religiões, por certo que tais diferenças devem ser apenas quanto à forma ou quanto às superficialidades e maneiras de pensamentos diversos, pois cada forma de pensamento humano, tanto cultural como intelectual, elabora paradigmas diferentes quanto à forma. Pensando melhor sobre tal assunto, imaginei: Quando um brasileiro deseja falar que um ente querido morreu, ele diz “Fulano bateu as botas”. Isso soaria totalmente sem sentido para um Japonês que mora do outro lado do mundo. No entanto, um japonês falaria “Sr. Fulano bateu com a cabeça na quina de um tofu”, o que seria inclusive motivos de risos para algum ocidental que pensasse ao pé da letra. Será que o brasileiro e o japonês do exemplo estão falando de coisas diferentes? Será que morrer é um fato diferente em cada cultura? Ainda que as formas de expressão e interpretação diferenciem, o fato continua o mesmo. Ambos querem dizer que o Fulano deixou de apresentar os sinais vitais e orgânicos que indicam vida em um corpo. A essência disso seria a morte. Esses exemplos demonstram que, culturalmente, o ser humano se expressa de maneiras diferentes, sobre assuntos iguais. A essência, no entanto, permanece a mesma. Se Deus existe, ele não está só comigo, ou só na Igreja, ou só num Oterá (templo budista). Se Deus existe, ele está em todos os lugares.

                             Mas se as formas e paradigmas mudam de acordo com o locus geográfico e cultural, o que seria Deus? Comecei a pensar, então, em um aspecto invariável a todas as religiões, um objeto único e comum, algo que represente a essência. Se Deus está em todas as formas de pensamento humano, então deve haver alguma essência imutável comum a todas elas, mesmo que as religiões possuam diversas denominações para essa mesma essência. O único jeito de descobrir essa essência é vivenciando-a, senti-a ou estudando-a com muita determinação, embora toda ciência exija o distanciamento neutro necessário à observação empírica, o que pode prejudicar o conhecimento empático sobre o assunto. De fato, a melhor maneira de se entender determinada religião ou cultura é vivenciando-a, e não apenas estudando-a, embora isso seja de muita ajuda.



                             Deus não se limita, e não sei se é seu desejo que isso aconteça. O fato é que o mesmo Deus, a mesma Força primordial, tem constantemente deixado se revelar pela humanidade. O movimento religioso não é isolado, e, em cada parte do mundo, Deus se revela de uma determinada forma diferente. Se cada religião reclama para si mesma determinada revelação, que é inquestionavelmente legítima, então algo de essencial pode ser apontado por essas revelações, por essas epifanias. Imagino o que aconteceria se Jesus tivesse nascido na África e começasse a falar de Javé, de Messias e de Paráclito. Será que ele seria compreendido? Isso demonstra que Deus, quando age em determinada comunidade, procura se adequar ao pensamento local para se fazer entender, para passar uma mensagem de revelação. A mente humana, por ser limitada, interpreta a forma como sendo verdadeira, enquanto que a verdadeira essência, a verdadeira mensagem continua oculta aos olhos. Jesus falava aos apóstolos: “Quando tiverdes entre vós mesmos, falareis da forma como entendem, mas quando fordes falar ao povo, faleis em forma de parábolas ou de histórias”. Jesus queria que sua mensagem fosse transmitida, sua essência fosse revelada, mas não iria conseguir fazer isso se demonstrasse toda a glória de Deus assim como Ele-É, pois a mente humana não O compreenderia. A mente humana é limitada, mas Deus é Ilimitado, é Eterno. O que é limitado não pode conter o Ilimitado. A parte não contém o Todo. A diferença entre religiões existe apenas quanto à forma, abordagem e paradigmas. Deus, como Transcendente, não se limita à forma, nem a paradigmas. Toda e qualquer diferença que enxerguemos, no fundo, é apenas um reflexo de nossas mentes confusas e limitadas (como pode a parte querer limitar o todo? A semente não pode conter a fruta, nem um quadro pode pretender conter a moldura que lhe envolve e dá forma... Se admitíssemos o conhecimento profundo de todos os aspectos de Deus, estaríamos admitindo a sua limitação, mas Deus é inefável, ilimitado em sua glória... Só podemos unicamente entrever vislumbres de Sua face - enquanto não O vemos "face a face").




                             Ante tudo isso, pensei que de todas essas revelações, epifanias e formas diferentes que Deus se manifesta na humanidade, haveria algo de essencial. Algo que pudesse indicar o verdadeiro sentido da vida. A verdadeira essência. Pode ser até presunção minha apontar essa essência, mas sempre achei que a essência de tudo fosse a caridade, o amor ao próximo... Isso é realmente difícil de acontecer hoje em dia. As pessoas possuem um coração duro, de gelo. São egoístas, materialistas e individualistas... Mas ao mesmo tempo é muito simples, basta querer... Quem ama a Deus, também ama as criaturas de Deus (e ainda mais o homem, pois é a criatura mais perfeita da criação). E quem ama as criaturas de Deus, logicamente ama a Deus. Mas a espécie humana é a mais vil e agourenta de todas: renega a si mesma e renega a Deus. Eu sei que há um tom de todo cristão nessas ideologias, mas nada deixa de ser verdadeiro. Apenas a linguagem muda: o Zen fala em Vazio, mas o Cristianismo fala em Amor. São a mesma coisa, pois quem ama só pode amar incondicionalmente, caso contrário o amor é puro interesse. Quem ama não julga. Quem ama não se enraivece, não se envaidece, não se arde em ciúmes, não sente inveja. Quem ama o faz incondicionalmente... É o mesmo sentido do vazio no discurso do Zen: quem busca o vazio não age imprudentemente, sempre tem bom senso, sempre possui sensibilidade, sempre é espontâneo, verdadeiro e sincero, assim como um espelho. O zen logra uma mente livre para o vazio... O cristianismo logra uma alma livre para se amar... As formas variam, mas a essência é a mesma.

                             Por que pessoas mesquinhas só visam ao seu próprio interesse? Os que estão cheios de Deus não podem querer contê-Lo apenas para si, pois a imensa satisfação em senti-Lo o faz querer passar isso a todos. Acredito que as pessoas ditas santas ou iluminadas devam ser caridosas por essência. Não porque isso deva ser uma regra, mas porque o Amor que as enche é altruísta e não egoísta. Olha só! Egoísmo não é uma palavra derivada de EGO? Não é isso que o Zen logra? A morte do EGO? Não é isso que o Cristianismo prega? O desapego material e a caridade ao próximo?

                             Muitas vezes penso que os místicos orientais fazem um caminho apenas de ida. Calma! Vou explicar o porquê: tanto as religiões ocidentais quanto as orientais falam essencialmente da mesma coisa, ou seja, o reencontro do homem com Deus. A diferença está em como isso é feito. No cristianismo, o homem precisa encontrar Deus no seu semelhante para que após isso encontre Deus em si mesmo (eis o verdadeiro sentido da comunhão em Cristo). No Zen e no Budismo, funciona o mecanismo ao inverso. O homem precisa encontrar Deus dentro de si primeiramente para depois extravasá-Lo aos semelhantes. Aqui surge o pecado do egoísmo, pois, geralmente, ao encontrarem o vazio, o eterno amor, esquecem-se de que há outros que necessitam de tal. Permanecem inertes com Deus em algum tipo de estado que mais se assemelha a uma "masturbação espiritual". Um vício egoísta de querer conter e guardar Deus apenas para si mesmo. Existe uma pequena estória que demonstra muito bem isso: era uma vez uma esponja de louça, um tanque de água e uma pilha de louças sujas. A esponja que absorve a água do tanque está constantemente limpa, mas a louça ao seu redor continua suja. A esponja que absorve a água do tanque e se esvazia para poder levar água e esfregar a louça suja, acaba limpando a sujeira e voltando ao tanque para se encher novamente de água e lavar mais louça suja. Entenda a metáfora dessa estória como quiser. De fato, ninguém pode salvar a outros, mas pode-se ajudar, e muito... O caminho do místico oriental, muitas vezes é apenas de ida.

                             Mas isso não exclui os ocidentais da lista negra, pois muitos também só fazem o caminho de ida. Muitas pessoas praticam a caridade mais por desencargo de consciência do que por verdadeiro amor. Trata-se de uma falsa caridade, um falso amor. Essas pessoas ajudam o próximo, mas quase nunca encontram Deus em si mesmas, pois enxergam um imenso abismo entre a pessoa que ajuda e a que está sendo ajudada. Não há abismo nenhum, o ato caridoso é puramente espiritual e não social. Devemos ajudar ao próximo exatamente por percebermos que somos todos iguais e filhos do mesmo Deus. Não é admissível que haja diferenças. Tudo que é feito deve ser feito com amor, até mesmo a caridade ("Ainda que eu fale a língua dos anjos, se não tiver amor, nada serei").

                             Todas as religiões apontam para o mesmo objeto, ainda que possuam nomes e denominações diferentes para esse objeto: O AMOR ETERNO, Deus. Algumas começam com a busca interior e terminam com o mundo exterior. Outras começam com o mundo exterior e terminam com a paz interior. Seguem caminhos diferentes, mas todas devem chegar necessariamente a um ponto em comum. Pois tudo está em Deus e nada há fora Dele. O Dom Supremo é Deus, o Amor: todo o resto é ilusão. Tudo um dia acabará, mas Deus não, pois é Eterno... Isso não quer dizer que a ilusão não tenha importância. Pelo contrário: tudo possui sua devida importância, mas tudo dura apenas o tempo suficiente para que possa ter cumprido seu propósito. Apenas o Amor não se exaure em si mesmo, pois não cumpre propósitos. O Amor é a própria "máquina" que mantém tudo o mais funcionando. É o Caminho, a Verdade e a Vida. É o método por meio do qual tudo encontra seu verdadeiro fim, seu verdadeiro propósito, sua verdadeira vocação... O propósito do Amor é não ter propósitos, é ser simplesmente eterno Amor. O Amor é infinito e nunca pode ser exaurido, pois Dele tudo depende. Sem propósitos, sem ilusão: eis a verdade, eis o vazio, eis o amor incondicional: eis Deus!



                             Por que que quando se fala em amor hoje em dia, as pessoas se ufanam? Se controvertem? Ficam bravas? Será que é algum senso de culpa? Por que é tão difícil amar? Se Deus fez as coisas para serem usadas e as pessoas para serem amadas, por que ainda amam-se as coisas e usam-se as pessoas? Cada um busca Deus a sua maneira e o encontra a sua maneira. Eu O encontrei no Amor. Ainda estou caminhando e não sou perfeito como o Amor deve ser, mas pretendo ser cada vez melhor na minha caminhada. Na minha opinião, acredito que a essência é apenas esta, independente de época histórica ou paradigma: AMOR! É isso que determina se uma pessoa é ou não é santa, iluminada, etc. A pessoa só é iluminada se encontra Deus, face a face, sem máscaras, sem reflexos, sem ilusões: puramente Amor...



(Texto de autoria própria. Publicado pela primeira vez em 16-02-2007).



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