quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Você vai MORRER! - Parte II


                             Foi dito no post anterior que a consciência da morte é nossa aliada, pois por meio dela descobrimos a nossa fragilidade, nossa pequenez, nossa efemeridade. É também por meio dela que conseguimos derrubar o pensamento egóico e nos abrirmos mais aos outros. Ela nos choca com o terror de uma possível ausência do “amanhã” e nos faz rever conceitos, nos faz pensar se o que estamos vivendo no presente é o essencial, se é o que deve ser vivido. Em outras palavras, remete-nos a refletir se estamos perdendo o nosso tempo, vivendo de forma vã, construindo castelos de areia, que no fim desmoronarão.

                             É notório, nos dias atuais, que as pessoas estão perdendo essa sensibilidade. O avanço tecnológico frequentemente nos dá a impressão de sermos imortais, de termos as curas para todas as doenças, de sermos invulneráveis. E assim vamos vivendo sem responsabilidade, sem darmos atenção às nossas limitações e às necessidades e carências dos outros. Quando algum problema surge, tendemos a querer resolver tudo com dinheiro. Compramos o melhor remédio, o que cura com mais celeridade, ou então compramos a comida que precisamos, que temos vontade de comer naquele momento. Se algum pobre nos perturba, jogamos logo uma moeda de mal grado para que ele deixe de nos assombrar o mais depressa possível. E assim a humanidade insensível vai vivendo como se não fosse nunca mais morrer, como se pudesse dispor sempre de todos os recursos naturais que o planeta oferece, sem nunca esgotá-los, como se as verdadeiras necessidades dos outros (e até mesmo as nossas próprias) pudessem ser saciadas com um pedaço de pão seco, um punhado de dinheiro, ou com uma pílula instantânea que compramos na farmácia da esquina.

                             Temos, pouco a pouco, perdido a consciência da morte, e isso nos tem tornado deuses insensíveis, autômatos, egóicos. Perdemos muito tempo em nossas vidas correndo atrás de realidades que acabarão e não deixarão rastro de existência, de realidades destrutivas como drogas, entorpecentes, álcool, etc. Tudo isso nos será tirado no fim dos tempos. Nada poderemos levar conosco. Mas o homem vem perdendo o seu precioso presente, sem saber que amanhã pode não ter mais um futuro (ou seja, um novo presente para poder viver). O presente se renova até a consumação dos tempos. O presente é sempre presente, até que deixe de ser presente e se torne eternidade. A consumação dos tempos não é um evento escatológico ao pé da letra. Não se trata do fim do mundo ou da decadência coletiva da humanidade. Mas ela ocorre pessoalmente para cada ser humano. Todos nós, a despeito de sermos eternos, temos um “alpha e um ômega”, um início e um fim. Todos nós nascemos na alvorada de uma vida cheia de possibilidades, e morremos no ocaso de um túmulo frio e implacável. O fim do mundo não é quando o mundo deixa de existir, mas quando você deixa de existir para o mundo. Em um milionésimo de segundo, que você nem imagina quando ocorrerá, tudo o que você conhece e tem vivido deixará de existir. Você sabe quando ocorrerá o ocaso de sua vida? Você sabe quando ocorrerá o fim do seu tempo aqui neste mundo? Você sabe o que é este mundo? Deus abandona o mundo quando você se apega às materialidades efêmeras. Se você não tem equilíbrio, você vive uma vida vazia. Não sente prazer em nada, e constantemente tem cada vez mais a firme convicção de que perdeu bastante tempo na sua vida. E se, no dia em que você morrer, você não tiver encontrado ainda a sua Vida, você verá Deus abandonar o seu mundo definitivamente, e para você isso será o fim.


                             Então, meus amigos, não percam mais o precioso tempo que vocês têm. Aprendam a tomar consciência da morte e a viver bem os seus dias. Viver bem o tempo que nos é dado é tornar cada segundo de nossa existência um altar de celebração da Vida verdadeira, é buscar em cada gesto e intenção a sombra do Deus que ao mesmo tempo se oculta e se revela nesses fenômenos. Busque a sua verdadeira Vida, que está escondida com Deus, e não pertence a esse mundo, mas que nesse mundo se esconde (bem debaixo dos seus pés). Por que adiar cada dia mais a sua felicidade? Por que você simplesmente não abre seus olhos e vê o quanto é feliz e agraciado. Viva cada instante de sua vida como se você não tivesse outro tempo para viver, como se você não tivesse um amanhã para fazer tudo o que você precisa verdadeiramente fazer. A verdade é que você não sabe quando chegará a sua hora, quando chegará o seu fim dos tempos, quando você verá o Filho do Homem voltando nos céus com os anjos ao seu redor. Você não sabe quando isso acontecerá a você. Portanto, é necessário viver em estado de constante vigília. Vigie e ore. Viva intensamente. Diga às pessoas importantes em sua vida que você as ama, e diga isso toda vez que tiver uma oportunidade de fazê-lo, pois você nunca sabe se terá uma nova oportunidade de dizer isso novamente. Quantas pessoas se despendem da vida sem terem se reconciliado umas com as outras. Presas à ilusão da imortalidade, nunca tomam a iniciativa de se entender, de se amar, ou de pelo menos viver harmonicamente e com respeitosa tolerância. Partem desta vida presas aos seus ressentimentos, à sua raiva e ódio destrutivo, sem nunca conhecer o verdadeiro Amor. Quantos filhos não dizem barbaridades aos seus pais, sem saber que ali, naquele mesmo dia, não terão mais a oportunidade de pedir perdão, pois o ladrão que espera ali na esquina irá escolhê-los para realizar sua sórdida intenção de cometer um latrocínio? E quantos ladrões não dão mais valor aos bens materiais e à saciedade efêmera que tais bens lhes proporcionarão, antes de perceber que pode acabar, em um único instante, com a vida de toda uma família (tanto daqueles que partem prematuramente, quanto daqueles que ficarão vivendo no remorso)?


                             O mundo tem ficado cada vez mais louco. Não temos dado a cada coisa apenas o seu devido valor. Estamos constantemente invertendo nossos valores, banalizando aquilo que é eterno e idolatrando aquilo que acabará. Pais e filhos não conversam mais, não se conhecem mais. São estranhos que vivem sob um mesmo teto, mas que apenas se esbarram... Irmãos não mais se amam, e com muito custo apenas se toleram. Nossos amigos? São apenas amuletas nas quais nos escoramos para obter nossos intentos e vantagens, mas dos quais logo nos livramos quando não mais precisamos delas. As demais pessoas? Que se danem, cada um é por si e não devo nada a ninguém (nem mesmo um sorriso ou um bom-dia)... Será que se essas pessoas, de alguma forma, soubessem a data exata em que vão morrer, perderiam seu tempo sem ao menos tentar de tudo para encontrar o verdadeiro sentido da sua existência? Será que ainda seguiriam vivendo loucamente como se a morte não existisse, e nada pudesse lhes atingir?

                             A verdade é que a consciência da morte é uma grande aliada na nossa necessária vigília. As palavras do evangelho que se referem ao fim dos tempos e em “vigia e orai, pois não sabeis a hora em que os patrões chegarão”, constantemente nos apontam para essa mística. Alguns monges antigos, ao tomar consciência da morte, se cumprimentavam dizendo “memento moris”, que em latim significa “lembre-se: morrerás”. Ao que os outros respondiam: “carpe diem”, que significa “aproveite o dia”, ou seja, aproveite o seu presente, o único momento que você dispõe para fazer aquilo que realmente importa. Não desperdice seu precioso tempo.

                             Aproveite as oportunidades que tiver para verdadeiramente amar, em gestos, palavras e intenções, as pessoas que te rodeiam. Aproveite para buscar sempre a felicidade, a estar sempre de bem com a vida, a não estar em dívida (espiritual) com ninguém. Somos eternos devedores de quem nos ama, e amor só se paga com amor. Nada mais é aceito. Não se pode comprar gratidão na farmácia, nem se vendem boas amizades em supermercados. As doenças do espírito não são curadas com pílulas nem cirurgias, mas tão somente com carinho, amor e dedicação. Não queira sempre o caminho mais fácil do dinheiro, pois ele compra muitas coisas, mas nunca compra o que é de fato importante e essencial: amor. Tente conquistar esse amor, tente buscá-lo em si e nos outros, enxergue, além das aparências, com que Amor Deus tem nos amado. Viver na consciência da morte é viver bem, é não querer desperdiçar nunca seu precioso tempo. É viver da forma mais difícil, porém mais gratificante e que não nos será tirada. Como dito no final do post passado, “a gente leva da vida a vida que a gente leva”. E que tipo de vida temos levado? O que levaremos conosco para a eternidade? Ilusões ou verdades?

                             Coincidentemente, li em um livro religioso, um texto que me chamou a atenção e que aborda exatamente o efeito que o tempo tem exercido na vida das pessoas, tempo que ora aprisiona as pessoas e que ora as liberta, dependendo unicamente de sua atitude pessoal:

                              “Certa vez encontrei uma moça deprimida com o câncer do pai. Ela me contou que o diagnóstico recebido lhe dava apenas três meses de vida. Já haviam se passado dois meses, em que ela viveu trancada em seu quarto, mergulhada em uma tristeza sem fim. Eu a questionei: ‘Você tem três meses ao lado de seu pai e escolheu passá-los trancada em seu quarto? Não seria melhor você entregar a seu pai sua melhor parte nesse tempo que lhe resta? Quantas pessoas não têm essa oportunidade! Perdem as pessoas que amam sem mesmo terem tido a chance de uma última palavra...’
                             Ela me olhou assustada, como se tivesse acordado para uma nova forma e enxergar o mês que lhe restava. Eu lhe pedi que mudasse a frase. Em vez de dizer: ‘Só tenho um mês ao lado de meu pai’, ela diria: ‘Ainda tenho um mês para amar e ser uma boa filha!’. Ela aceitou o desafio. Encarou o tempo que lhe restava como kairós e assim minimizou o peso do khronos. Aqueles últimos dias foram dedicados aos gestos poéticos. O cuidado, o amor, o carinho fizeram com que as metástases não ultrapassassem os limites da carne. Elas deixaram de atingir a alma.
Gabriel, muitos medos nascem desses intervalos curtos que nos restam. O fechamento no quarto foi uma resposta ao medo. Ela não queria assumir a realidade. Queria fechar-se em seu mundo. Queria negar a partida anunciada. Mas aquele gesto reafirmava ainda mais o poder opressor do tempo. Não sabemos quanto tempo ainda nos resta...
                             Essa incerteza não pode ser motivo de medo, mas nos sugerir um novo posicionamento. Olho para minha mãe e concluo quanto eu a amo. Não sei quanto tempo ainda poderei tê-la sob o alcance dos olhos. Isso não me desespera, mas me coloca em estado de alerta. Não posso deixar o amor para quando amanhecer o dia. Não sei se ainda me restará outra manhã, outra oportunidade para amar. Por isso, amo no tempo que tenho.”

(MELO, Fábio de (Pe.); CHALITA, Gabriel. Cartas entre amigos. Sobre medos contemporâneos. São Paulo: Ediouro, 2009, p. 213.)

                             Para o nosso bem, até mesmo em um átimo de milionésimo de segundo, o verdadeiro amor pode ser descoberto. Ainda que em toda a nossa vida tenhamos perdido nosso tempo, se, ao final dos tempos, nos arrependermos e conseguirmos fazer surgir ao menos uma pequena centelha de amor em nosso coração, então estaremos de alguma forma salvos na eternidade. É nossa última redenção. Fora disso, só há Deus abandonando este mundo, para nunca mais voltar, mundo este que foi criado por Ele mesmo, mas que agora está abandonado às ilusões efêmeras, pois o “príncipe deste mundo sempre vem para reclamar o que é seu, mas Deus não tem parte alguma com ele”. Isso significa que moramos neste mundo, mas a ele não pertencemos. Estamos aqui para cumprir algum propósito, aprender algumas coisas, e logo já é hora de partir. Nossa Vida está com Deus. Que tal? Vamos encontrá-la?



(Texto de autoria própria. Texto exemplificativo: Pe. Fábio de Melo e Gabriel Chalita)




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2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom!!!

AMO VOCÊ MIZI,
abraçãooooo

Juca

Mizi disse...

Eu tb te amo, meu irmão!

Abraçãozão!