sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Introdução ao estudo da Teologia Trinitária


                             Como prometido, o blog irá publicar uma série nova, cujo objetivo será o estudo sobre a Teologia da Santíssima Trindade, utilizando os textos de Santo Agostinho para tal fim. Para começar, iniciarei com um artigo científico escrito pelo ministro presbiteriano Lúcio Magalhães, pastor da Igreja Presbiteriana de Boa Vista, que elaborou um ótimo resumo da obra "De Trinitate" (A Trindade) de St. Agostinho. Na seqüência, o blog trará a publicação das principais partes da referida obra. Espero que gostem dessa série. Um abraço a todos!











DE TRINITATE DE SANTO AGOSTINHO
por Lúcio Ricardo Magalhães*1



RESUMO
                             A doutrina da Trindade é uma das mais importantes da fé cristã. “Podemos definir a doutrina da Trindade do seguinte modo: Deus existe eternamente como três pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – e cada pessoa é plenamente Deus, e existe só um Deus”.*2
                             Ao longo da história da Igreja Cristã, muitos homens piedosos defenderam a doutrina trinitária, dentre eles encontra-se Agostinho, bispo de Hipona. O presente artigo pretende oferecer uma análise do Tratado “De Trinitate” de Agostinho. Obra cujo impacto se fez sentir através dos séculos,influenciando tanto a teologia católica como a teologia reformada.

PALAVRAS CHAVES
                             Agostinho, De Trinitate, Trindade, imagem, Pai, Filho, Espírito Santo, substância, pessoa e essência.

ABSTRACT
                             The doctrine of the Trinity is the one of the most importants of cristian faith. We can define the Trinity doctrine in the following way: God eternally exists as three persons – Father, Son and Holy Spirit – and each person is completely God, and exist only one God. By the length of the history of the Cristian Church many pious men defended the Trinity doctrine, between them we find Augostin, bishop of Hipona. The present article pretends to offer an analysis of the “De Trinitate” Treaty of Augostin. Work witch impact was felt through the centuries, influencing also the catholic theology as the reformed theology.

KEYWORD
                             Augostin, De Trinitate, Trinity, image, Father, Son, Holy Spirit, substance, person and essence.

INTRODUÇÃO
                             “Quem se entrega à leitura do que escrevemos sobra a Trindade” (Livro I 1,1). Assim começa Agostinho o seu tratado teológico sobre a Trindade. Não se pode afirmar com precisão absoluta o tempo empregado por Agostinho na composição dos 15 livros sobre “A Trindade”.

                             Comumente, aceita-se datá-los de 399 a 419 a.D.*3 Este período dedicado à elaboração deste tratado teológico, conhecido como: De Trinitate, revela, por um lado, a profundidade do tema e, por outro, a seriedade com que o bispo de Hipona encarou seu projeto. É verdade que não foram vinte anos dedicados apenas à construção desta obra, pois, além de seus afazeres pastorais, sua pena incansável estava a serviço da fé cristã, em sua defesa e ensino, mediante outros escritos. O De Trinitate é um dos melhores tratados teológicos de Agostinho. Pode-se fazer tal afirmação devido à profundidade de pensamento e a riqueza de idéias encontradas nesta obra.

PROPÓSITO E CONTEXTO HISTÓRICO
                             O próprio Agostinho revela, em diversas passagens, as suas reais intenções (Cf. I, 3:5,6; 5:8). Era seu desejo aprofundar-se na compreensão do mistério trinitário; o desejo de melhor conhecer o mistério divino para mais o amar, e torná-lo conhecido e amado (Cf. A oração final XV 28). O enfoque de vários trechos do livro traduz sua época. O leque de doutrinas heréticas apresentava as variedades mais diversas, algumas partindo diretamente do mistério trinitário e outras considerando a pessoa de Cristo em sua relação com o mesmo mistério.

                             “As últimas décadas do segundo século testemunharam o surgimento de duas formas de ensino que, embora fundamentalmente distintas, foram reunidas pelos historiadores modernos sob o nome comum de monarquianismo”*4. Para uma facção dos monarquianistas, Cristo era um simples homem sobre quem o Espírito de Deus havia descido, e representava apenas o dinamismo de Deus (monarquianismo dinâmico). O monarquianismo modalista assegurava a divindade de Cristo, mas somente como um rosto diferente de Deus. Os patripassistas não viam diferença entre o Pai e o Filho e receberam essa denominação pela doutrina que defendiam, ou seja, atribuíam ao Pai os sofrimentos de Cristo. O sabelianismo se insurgiu contra a fé em três pessoas, as quais seriam apenas denominações diferentes para uma essência divina; “o Pai era, por assim dizer, a forma ou essência, sendo o Filho e o Espírito os modos de autoexpressão do Pai”*5. O arianismo excluía o Filho da esfera da divindade e o considerava apenas como filho adotivo de Deus. “O resultado final desse ensino foi reduzir o Filho a um semideus; se Ele transcendia infinitamente todas as outras criaturas, Ele próprio não era mais do que uma criatura em relação ao Pai”*6.

                             Essa luta, que se travava há séculos, reclamava da Igreja uma proclamação oficial que viesse pôr ponto final nas discussões que se alongavam, tumultuava o ambiente e confundiam os espíritos. Nada mais convincente do que a realização de um concílio universal, onde os pastores do rebanho de Cristo, dispersos nas diversas partes do mundo, se reunissem para expressar sua comunhão e a unidade na fé. A grande assembléia realizou-se em Nicéia, em 325.

                             No final, foi apresentado o símbolo da fé, onde a profissão de fé no mistério da Trindade confessa a existência de um só Deus em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Devido a uma doutrina errônea sobre o Espírito Santo, o segundo concílio foi realizado em Constantinopla em 381 e esclareceu o pensamento que assim como Jesus era uma pessoa plenamente divina, o Espírito Santo também o era. “A palavra latina filioque ‘e do filho’, foi um acréscimo posterior, aparentemente pequeno, mas altamente controvertido, ao Credo Niceno-Constantinopolitano.

                             No ano de 589, o terceiro Concílio de Toledo inseriu esta palavra”*7. As definições conciliares não foram suficientes para a extinção dos movimentos heréticos. Eis porque Agostinho lançou-se à elaboração de sua obra, contando certamente com a ajuda de muitos escritos ortodoxos anteriores a seu tempo ou contemporâneos, e com as definições dos concílios. Mas, a maiorias desses tratados estavam redigidos em grego, obras, por tanto, fora do alcance da Igreja do Ocidente. Havia assim uma ânsia geral pelo aparecimento de um tratado que iluminasse o mistério do Deus uno e trino, explicasse os conceitos, mostrasse a concordância dos textos escriturísticos, lançasse luz sobre o mistério com argumentos da razão e refutasse, com a Bíblia na mão, as proposições heréticas apresentadas com sutileza para ocultar a falsidade.

DIVISÃO DO LIVRO
                             O De Trinitate é constituído de duas partes, de ordem bem distinta. A primeira, de cunho Bíblico, é a seção teológica propriamente dita e vai do livro I ao VII, incluso. A segunda parte, do livro VIII ao XV apresenta um caráter especulativo, constituindo a obra-prima filosófica de Agostinho. O caminho percorrido na primeira parte é sempre o mesmo: Agostinho estabelece sua tese, depois refuta os hereges, apoiando-se na autoridade das Escrituras.

                             Na segunda parte o método passa a ser puramente filosófico. Agostinho propõe a justificação e os fundamentos lógicos e metafísicos, adotando como ponto de partida a observação psicológica da mente humana. Utiliza o movimento dialético. Desde o final do livro VIII, o autor procura no homem analogias destinadas a dar certa compreensão do mistério trinitário. A partir do livro IX procura na estrutura da alma imagens e vestígios da Trindade. O desenvolvimento teológico da doutrina é retomado no livro XV.

                             Nos primeiros capítulos do livro I, o autor assenta o fundamento da construção que pretende erguer: a fé cristã no mistério trinitário, a qual assegura, conforme testemunho das Escrituras Sagradas: “que o Pai, o Filho e o Espírito Santo perfazem uma unidade divina pela inseparável igualdade de uma e mesma substância” (Cf. I, 4:7). Desenvolve, em seguida, as conseqüências dessa afirmação argumentando sobre a consubstancialidade do Filho e do Espírito Santo em relação ao Pai, assim como a inseparabilidade de operações e a igual imortalidade. Afirma também, que as implicações do mistério do Verbo encarnado com o mistério da
Trindade não contradizem o fundamento da fé cristã, pois as aparentes divergências são explicadas pelas duas naturezas de Cristo.

                             No segundo e no terceiro livro, aborda as missões divinas, estabelecendo antes as regras da hermenêutica, ou seja: por um lado, textos escriturísticos atestam a unidade e igualdade de essência do Pai e do Filho; por outro lado, outros textos falam do Filho na forma assumida de criatura. São então investigadas as aparições a Adão, a Abraão, a Ló, a Moisés e a Daniel e as manifestações mediante a nuvem e a coluna de fogo no deserto. Conclui sempre que essas visões se verificaram mediante uma criatura corpórea. Para esclarecimento da verdade sobre as referidas aparições, Agostinho conclui ser a vontade de Deus a lei superior de todas as coisas e ser a essência divina invisível. As teofanias feitas no Antigo Testamento seguiram num plano divino estabelecido e segundo certas circunstâncias. Deram-se todas através da mediação de algumas criaturas, em especial a de anjos a serviço do Criador.

                             No livro quatro disserta especificamente sobre a missão do Filho, cuja única morte é remédio para a dupla morte do homem; e sobre a mediação de Cristo para a vida. Conclui também que Há no Espírito Santo uma equivalência entre o “ser nascido” e o “ser dom”, pois, assim como o “ser nascido” é para o Filho provir do Pai, assim também, o “ser dom” é para o Espírito Santo proceder do Pai e do Filho. Portanto apesar de enviados, o Filho e o Espírito Santo são iguais ao Pai.

                             Após apresentar os conceitos filosóficos de substância e acidente, o bispo de Hipona lembra que, embora sobre Deus nada se possa afirmar quanto aos acidentes, pois nele não existem, contudo, pode-se admitir nele a categoria de relação. Com essa distinção, refuta o argumento dos arianos baseado nos conceitos de ingênito e gerado. Como conseqüência, reafirma a igualdade na Trindade, a consubstancialidade do Espírito Santo com o Pai e o Filho, e conclui pela existência de um só Deus e não de três deuses. (Livro V)

                             A afirmação do apóstolo Paulo: “Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Co 1.24) dá razão para dissertar sobre a tese da unicidade da sabedoria na Trindade, assim como de unicidade de essência. Preocupa-o, em seguida, a pergunta: “O que são os três?” (VII 4.7 p. 245). E apresenta duas respostas: os três são uma essência e três substâncias, para os gregos; e uma essência e três pessoas, para os latinos. Embora dê preferência ao modo de se expressar dos latinos, conclui que se trata de recursos da linguagem humana a qual é inadequada para demonstrar o que não foi revelado (Livros VI e VII).

                             Depois de acentuar mais uma vez a igualdade das três pessoas, agora, por meio de um argumento filosófico, Agostinho estabelece que, para a compreensão de Deus, deve-se deixar de lado qualquer imagem corpórea, mas que se pode entender algo da natureza de Deus pela intelecção da verdade, pelo conhecimento do Sumo Bem e pelo amor à justiça. O caminho mais breve, porém, é a vivência do amor, no qual se percebe certo vestígio de Deus. “Esse amor em mim, que tem sua fonte em Deus, e sobre o qual fixo o olhar de meu espírito, será ele capaz de me revelar a Trindade? Sim, tu vês a Trindade, se vês a caridade” (Livro VIII).

                             Nos livros IX e X lança-se então a procura de uma imagem de Deus até encontrá-la na mente do homem, onde se depara com a trindade: inteligência, conhecimento e amor, com o qual ama o seu próprio conhecimento. Aprofundando a pesquisa, descobre na mente uma trindade mais importante: a memória, o entendimento e a vontade.

                             No livro XI investiga a imagem de Deus no homem exterior. E encontra em sua visão corporal um vestígio da Trindade.

1) Primeiramente na visão das coisas que se vêem exteriormente:
a) O objeto que é visto;
b) A forma que se imprime no olhar de quem olha;
c) O ato de vontade, que une as duas coisas.

2) Em segundo lugar, nas realidades interiores são três os atos de um só e mesma substância
a) A imagem do objeto que se acha na memória;
b) A sua informação vinda pelo olhar do pensamento;
c) O ato de vontade que une um ao outro.

                             Esta segunda trindade é dita referir-se também ao homem exterior, porque ela é produzida na alma pelos objetos corporais que os sentidos percebem fora dela.

                             Prossegue a investigação sobre a imagem de Deus no homem. Depois de estabelecer a diferença entre sabedoria e ciência, surge a descoberta de uma imagem, ainda inferior, na ciência, embora própria do homem interior. E enfoca o assunto da ciência relacionando-o com a fé, que é comum e una em todos os crentes, e necessária para a felicidade do homem. A felicidade verdadeira tem a nota da imortalidade, a qual o homem pode almejar a alcançar pelos méritos da vida, morte e ressurreição do Verbo encarnado (Livros XII e XIII).

                             Se o livro XIII foi principalmente dedicado ao papel da ciência e ao estudo da fé, no livro XIV discorre de modo especial sobre a sabedoria. Para Agostinho a sabedoria do homem para ser verdadeira deve ser uma participação da sabedoria de Deus. Afirma depois, baseado em Jó 28.28, que a sabedoria significa piedade. Em seguida reflete na trindade da fé que é constituída pela conservação, contemplação e amor da fé, que é temporal. Mas ele não adota essa trindade porque ela é destinada a desaparecer na visão do céu. Deseja chegar à trindade da sabedoria na alma, a qual é verdadeira imagem de Deus. Segundo Agostinho há uma trindade na alma quando ela pensa em si, se reconhece e se ama. Nessa trindade, se há de descobrir a imagem de Deus. “Essa trindade da alma não é a imagem de Deus simplesmente pelo fato de: lembrar-se de si, entender-se e amar-se a si mesma, mas sim porque pode também recordar, entender e amar a seu Criador” (XIV 12.15 p 461). Conclui então que a verdadeira sabedoria está na contemplação das realidades eternas. Os filósofos a pressentiram, mas só Deus a concede.

                             O último livro de “A Trindade” é o ponto de chegada, a síntese e coroamento de todo este Tratado. Nos últimos livros, Agostinho procura as imagens trinitárias que estivesse à altura de seu leitor. Multiplicando-as, orientou-se na busca da imagem de sua preferência, a saber: a da sabedoria. Retorna ele agora, a doutrina trinitária em seu desenvolvimento teológico.

                             Chegando ao fim da pesquisa, encontra a imagem da Trindade no homem, pois, para o bispo de Hipona, o homem completo, na união substancial de seus elementos é mente, alma e corpo. Com a mente, o homem percebe a sabedoria, contemplação do eterno. Contudo, a Trindade, nesta vida, o homem a vê tão somente em espelho e em enigma, pois essa visão acontece por meio da imagem de Deus, que é o próprio homem – semelhança obscura e difícil de discernir. Essa descoberta permite explicar de algum modo a geração do Verbo divino, ou seja, mediante a geração da palavra em nossa mente. As últimas reflexões versam sobre a procedência do Espírito Santo, a qual é explicada como sendo o amor entre o Pai e o Filho.

CONCLUSÃO
                             A Trindade, obra por excelência de Agostinho, constitui jóia preciosa da literatura patrística. As teses, apresentadas sobre o mistério da SSma. Trindade, foram assumidas por toda Igreja do Ocidente e continuam a exercer forte influência na teologia contemporânea. Introduz-nos na vida íntima do Deus-Trino e na própria vida de nosso espírito. O desejo de Agostinho é mostrar ser a vida divina particularmente semelhante à atividade íntima da alma que se pensa, se conhece e se ama. Almeja ele fazer a mente humana voltar-se para o Criador e levá-la a tomar consciência de sua dignidade de imagem de Deus.



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Notas de Rodapé:

1 O autor é ministro presbiteriano, trabalha na capelania Colégio Presbiteriano Agnes Erskine e pastor cooperador na Igreja Presbiteriana da Boa Vista.

2 GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática.1 ed. São Paulo. Vida Nova. p. 165.

3 KELLY, J.N.D. Doutrinas centrais da fé cristã: Origem e desenvolvimento. Editora Vida Nova. São Paulo.
1993, p.205;

4 Ibidem, p.86;

5 Ibidem, p.91;

6 Ibidem, p174;

7 NOLL, Mark A. Momentos Decisivos na História do Cristianismo. 1 ed. São Paulo. Editora Cultura Cristã p. 63





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Um comentário:

Adam Pastor disse...

Greetings

Please watch this English Video concerning the Trinity:
The Human Jesus

Take a couple of hours to watch it; and prayerfully it will aid you to reconsider "The Trinity"

Yours In Messiah
Adam Pastor
Quien Es Jesus? (Spanish)