terça-feira, 20 de abril de 2010

A Teologia do Corpo


(Por Christopher West. Tradução e revisão por Fabrício L. Ribeiro)

                             O que é espiritualidade conjugal? Como a família pode se tornar autenticamente espiritual? Para João Paulo II (o papa predecessor do atual Bento XVI), as respostas para estas questões “do espírito” são reveladas no corpo. É isto que aprendemos com a “teologia do corpo”, formulada por João Paulo II. Em sua coleção de 129 audiências pronunciadas no início de seu pontificado, João Paulo II desenvolveu aquela que seria uma de suas mais permanentes contribuições para a Igreja e para o mundo.

                             Estabelecer uma autêntica espiritualidade conjugal é essencial para que possamos restaurar a família e construiur uma cultura de vida. Como podemos fazer isso? De acordo com o Santo Padre, “aqueles que desejam cumprir sua própria vocação humana e cristã no matrimônio são chamados, antes de tudo, a fazer desta ‘teologia do corpo’… a essência de sua vida e de seu comportamento” (02/04/1980).

                             Mais católicos estão ouvindo falar sobre a teologia do corpo. Entretanto, poucos sabem o que ela, na verdade, ensina. O propósito deste artigo é introduzir alguns dos temas da catequese de João Paulo, e esboçar os fundamentos para a construção de uma autêntica espiritualidade conjugal e familiar.



O Corpo: Revelação do Mistério de Deus

                             A tese do Papa, se nela nos aprofundarmos, é infalível em revolucionar nossa compreensão do corpo humano e da sexualidade da pessoa e, por conseqüência, o matrimônio e a vida familiar. “O corpo, e somente ele”, diz João Paulo, “é capaz de tornar visível aquilo que é invisível: o espiritual e divino. Ele foi criado para transferir para a realidade visível do mundo o mistério invisível escondido em Deus desde os tempos imemoráveis, e assim ser um sinal deste mistério” (20/02/1980).

                             Um palavreado um pouco difícil, eu sei. O que isto significa? Como criaturas físicas e corporais, nós simplesmente não podemos ver Deus. Ele é puro Espírito. Mas Deus quis tornar seu mistério visível para nós, e por isso Ele o estampou em nossos corpos, criando-nos como homens e mulheres à sua própria imagem (Gn 1,27). A função desta imagem é refletir a Trindade, “uma comunhão divina inescrutável de [três] Pessoas” (14/11/1979). João Paulo assim conclui que “o homem se torna ‘imagem e semelhança’ de Deus não somente através de sua própria humanidade, mas também através da comunhão de pessoas que homem e mulher formam desde o princípio”. E o Papa acrescenta: “Em tudo isso, desde ‘o princípio’, nos é dada a bênção da fertilidade vinculada à procriação humana” (ibid).

                             O corpo possui um “significado nupcial” porque ele revela o chamado do homem e da mulher para se tornarem dons um para o outro, um dom completamente concretizado através de sua união “em uma só carne”. O corpo também possui um “significado gerativo” que (ao desejo de Deus) traz um “terceiro” ao mundo, através de sua comunhão. Desta forma, o matrimônio constitui um “sacramento primordial” compreendido como um sinal que verdadeiramente comunica o mistério da vida e do amor Trinitários de Deus ao marido e à mulher, e através deles para seus filhos, e através da família para o mundo inteiro.

                             Espiritualidade conjugal, portanto, é isso: participar na vida e no amor de Deus e partilhar isto com o mundo. Embora este seja certamente um chamado sublime, ele não é etéreo. Ele é palpável. O amor de Deus é destinado a ser vivido e sentido na vida conjugal diária do casal e da família. Como? Vivendo de acordo com a completa verdade do nosso corpo. “Na verdade, quão indispensável”, insiste o Santo Padre, “é o completo conhecimento do significado do corpo, em sua masculinidade e feminilidade, junto com a forma desta vocação! Quão necessária é uma precisa formação sobre o significado nupcial do corpo, sobre seu significado gerativo - uma vez que tudo que constitui a vida dos casais precisa constantemente descobrir sua completa e pessoal dimensão na vida a dois, no comportamento, nos sentimentos!” (02/04/1980).



Espiritualidade Encarnada

                             Uma das maiores ameaças enfrentadas pela Igreja hoje é um “espiritualismo” no qual as pessoas desencarnam seu apelo à santidade. Viver uma vida espiritual não significa de maneira nenhuma rejeitar nossos corpos. A autêntica espiritualidade é sempre uma espiritualidade encarnada. Esta é a verdadeira “lógica” do cristianismo. Deus nos comunica Sua vida “no” e “através do” corpo; “em” e “através do” Verbo tornado carne. O espírito que nega esta “realidade encarnada” é aquele do anticristo (cf. 1Jo 4,2-3).

                             Pense nisso por um momento. João Paulo nos ensina que o corpo humano - na beleza da diferença sexual e do nosso chamado à união sexual - possui uma “linguagem” inscrita por Deus que não somente proclama Seu mistério infinito, mas torna tal mistério presente para nós. Se há um inimigo de Deus que queira manter-nos longe da vida e do amor de Deus, onde, então, ele iria fazer isto? O objetivo de Satanás é confundir a linguagem dos nossos corpos! E veja quanto sucesso ele tem tido. Por causa do plano de Satanás, a maioria de nós somos ignorantes em ler a linguagem do corpo. Quantos de nós, por exemplo, consideram nossos corpos como o último lugar onde poderíamos procurar pela revelação do mistério de Deus?


Construindo uma Autêntica Espiritualidade

                             A fim de construir uma autêntica espiritualidade conjugal, portanto, precisamos começar por aprender a ler a verdadeira linguagem do corpo. Precisamos interceder pelos nossos olhos, para que enxerguem o mistério de Deus revelado através dos nossos corpos e através da própria união conjugal. É o pecado que nos cega: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos, e a soberba da vida (1Jo 2,16). Ao falar sobre o amor entre homem e mulher, precisamos combater primordialmente a concupiscência da carne. O casamento de maneira nenhuma “legitima” a concupiscência. Homens e mulheres são chamados pelo poder do Espírito Santo a experimentar uma vitória “real e profunda” sobre a concupiscência. Através da “redenção dos nossos corpos”, o Espírito Santo fecunda o desejo sexual “com tudo que é nobre e belo”, com “o supremo valor que é o amor” (22 e 29/10/1980).

                             É assim que maridos e esposas constroem uma autêntica espiritualidade: amando um ao outro de acordo com o Espírito Santo “em” e “através de” seus corpos. O amor conjugal é mostrado de várias formas, mas os esposos preenchidos pelo Espírito concretizam “dentre as possíveis manifestações de afeto, aquela singular, ou antes, excepcional significância do ato [conjugal]” (21/11/1984). Eles chegam à compreensão de que sua união sexual “carrega em si mesma o sinal do grande mistério da criação e da redenção” (14/11/1984). Em uma palavra, eles chegam à compreensão de que sua união é também “Eucarística”.

                             Quando recebemos a Eucaristia dignamente, ela traz nova vida para nossas vidas. Quando a recebemos indignamente, nós comemos e bebemos nossa própria condenação (1Cor 11,29). Da mesma forma, quando os esposos abrem sua união ao Espírito Santo, todo o seu matrimônio carrega continuamente nova vida no Espírito. Porém, se os esposos fecham sua união ao Espírito, eles corroem a realidade completa de sua vida matrimonial e familiar. Uma das formas primárias pelas quais podemos nos manter abertos ao Espírito, é permanecendo abertos aos filhos. Quem é o Espírito Santo senão o Senhor e Doador da Vida? Aqueles casais que fecham sua união aos filhos, ao mesmo tempo fecham sua união ao Espírito Santo. Sua união não é mais um sinal do amor Trinitário de Deus, mas na verdade, torna-se um contra-sinal dele.

                             É por isso que João Paulo diz que “a antítese da espiritualidade conjugal é constituída, em certo sentido, pela subjetiva carência desta compreensão [da dignidade do ato conjugal] o qual está relacionado com a prática e a mentalidade contraceptiva” (ibid). Para aqueles que estão preenchidos com o Espírito Santo, a contracepção é simplesmente inconcebível. Eles sabem que ela é uma mentira, que toma o lugar da verdadeira linguagem do corpo. E mentir, dentro do coração da intimidade conjugal, tem um efeito ruim, que não existiria se falasse a verdade. Os esposos que se esforçam por “falar a verdade” no enlace nupcial se esforçam por serem abertos e honestos um com o outro na totalidade de sua vida como casal.

                             Como o professor Mary Rousseau expressa, quando os esposos vivem uma autêntica espiritualidade, “o amor que acontece em sua cama conjugal se propaga… para a cozinha, para o jardim, para o supermercado, para o local de trabalho, e para além. Seu amor eventualmente se propaga para todo o mundo, para os campos da política, do trabalho, da educação, do entretenimento, da saúde, das relações internacionais. Tal é o exato processo pelo qual a civilização do amor vem à tona” (Chicago Studies, Vol 39:2, pág. 175).



Conclusão

                             É por isso que, de acordo com João Paulo II, educar-se na teologia do corpo “constitui… o núcleo essencial da espiritualidade conjugal” (03/10/1984). Essa educação é um chamado como um toque de trombeta, não para nos tornarmos mais “espirituais”, mas para nos tornarmos mais encarnados - a permitir que o Espírito Santo impregne nossos corpos com vida divina.

                             É isto que acontece nos sacramentos. A Eucaristia e a Confissão, em particular, são os meios “infalíveis e indispensáveis”, diz João Paulo, “para formar a espiritualidade cristã da vida familiar e conjugal. Com eles, aquele essencial e espiritual ‘poder’ criativo de amor alcança os corações humanos e, ao mesmo tempo, os corpos humanos… Este amor, na verdade, permite a construção da vida completa dos casais de acordo com aquela ‘verdade do sinal’, por meio do qual o matrimônio é fortalecido em sua dignidade sacramental.” (03/10/1984)

                             Através desta “dignidade sacramental” esposos e famílias participam no mistério da Trindade e proclamam tal mistério para o mundo em uma “espiritualidade encarnada”.









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Um comentário:

H K Merton disse...

Pootz, MIZI, muito bom! Adorei esse post, e amo essa linha teológica, uma linha de pensamento que pretende fazer refletir na vida prática do cristão o Deus que ele professa, de forma real e concreta. Preciso reler com mais serenidade para poder digerir melhor...