domingo, 20 de janeiro de 2013

Catecismo - Parte XIII

PARÁGRAFO 3


OS MISTÉRIOS DA VIDA DE CRISTO

                              512) Relativamente à vida de Cristo, o Símbolo da Fé apenas fala dos mistérios da Encarnação (conceição e nascimento) e da Páscoa (paixão, crucifixão, morte, sepultura, descida à mansão dos mortos, ressurreição, ascensão). Nada diz explicitamente dos mistérios da vida oculta e pública de Jesus. Mas os artigos que dizem respeito à Encarnação e à Páscoa de Jesus esclarecem toda a vida terrena de Cristo. "Tudo o que Jesus fez e ensinou desde o princípio até ao dia em que foi elevado ao céu" (Act 1, 1-2) deve ser visto á luz dos mistérios do Natal e da Páscoa.

                              513) A catequese, segundo as circunstâncias, explanará toda a riqueza dos mistérios de Jesus. Aqui, basta indicar alguns elementos comuns a todos os mistérios da vida de Cristo (I), para depois esboçar os principais mistérios da vida oculta (II) e pública (III) de Jesus.


I. Toda a vida de Cristo é mistério

                              514) Muitas coisas que interessam à curiosidade humana, a respeito de Jesus, não figuram nos evangelhos. Quase nada se diz da sua vida em Nazaré e mesmo grande parte da sua vida pública não é relatada (Jo 20, 30). O que foi escrito nos evangelhos foi escrito "para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome" (Jo 20, 31).

                              515) Os evangelhos foram escritos por homens que foram dos primeiros a receber a fé (Mc 1, 1; Jo 21, 24) e que quiseram partilhá-la com outros. Tendo conhecido, pela fé, quem é Jesus, puderam ver e fazer ver os traços do seu mistério em toda a sua vida terrena. Desde os panos do nascimento (Lc 2, 7) até ao vinagre da paixão (Mt 27, 48) e ao sudário da ressurreição (Jo 20, 7), tudo, na vida de Jesus, é sinal do seu mistério. Através dos seus gestos, milagres e palavras, foi revelado que "n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Cl 2, 9). A sua humanidade aparece, assim, como "sacramento", isto é, sinal e instrumento da Sua divindade e da salvação que Ele veio trazer. O que havia de visível na sua vida terrena conduz ao mistério invisível da Sua filiação divina e da Sua missão redentora.


OS TRAÇOS COMUNS DOS MISTÉRIOS DE JESUS

                              516) Toda a vida de Cristo é revelação do Pai: as suas palavras e atos, os seus silêncios e sofrimentos, a maneira de ser e de falar. Jesus pode dizer: "Quem Me vê, vê o Pai" (Jo 14, 9); e o Pai: "Este é o meu Filho predilecto: escutai-O" (Lc 9, 35). Tendo-Se nosso Senhor feito homem para cumprir a vontade do Pai (Hb 10, 5-7), os mais pequenos pormenores dos seus mistérios manifestam "o amor de Deus para conosco" (1 Jo 4, 9).

                              517) Toda a vida de Cristo é mistério de redenção. A redenção vem-nos, antes de qualquer coisa, pelo sangue da cruz (Ef 1, 7 ; Cl 1, 13-14 ; 1 Pd 1, 18-19). Mas este mistério está atuante em toda a vida de Cristo: já na sua Encarnação, pela qual, fazendo-Se pobre, nos enriquece com a sua pobreza (2 Cor 8, 9); na vida oculta que, pela sua obediência (Lc 2, 51), repara a nossa desobediência; na palavra que purifica os seus ouvintes (Jo 15, 3): nas curas e expulsões dos demónios, pelas quais "toma sobre Si as nossas enfermidades e carrega com as nossas doenças" (Mt 8, 17; Is 53, 4; Rm 4, 25); na ressurreição, pela qual nos justifica.

                              518) Toda a vida de Cristo é mistério de recapitulação. Tudo o que Jesus fez, disse e sofreu tinha por fim restabelecer o homem decaído na sua vocação originária:

"Quando Ele encarnou e Se fez homem, recapitulou em Si a longa história dos homens e proporcionou-nos, em síntese, a salvação, de tal forma que aquilo que havíamos perdido em Adão – isto é, sermos imagem e semelhança de Deus – o recuperássemos em Cristo Jesus (...). Aliás, foi por isso que Cristo passou por todas as idades da vida, restituindo assim a todos os homens a comunhão com Deus" (S. Irineu).


(Desde o início, o Pai revela o plano da salvação, que se cumpre nas pessoas do "Novo Adão" e da "Nova Eva" - Gn 3, 15)


A NOSSA COMUNHÃO NOS MISTÉRIOS DE JESUS

                              519) Toda a riqueza de Cristo "se destina a todos os homens e constitui o bem de cada um". Cristo não viveu para Si mesmo, mas para nós, desde a Encarnação "por nós homens e para nossa salvação" até sua Morte "por nossos pecados", (1 Cor 15,3) e sua Ressurreição "para nossa justificação" (Rm 4,25). Ainda agora, Ele é "nosso advogado junto do Pai" (1 Jo 2,1), "estando sempre vivo para interceder a nosso favor" (Hb 7,25). Com tudo o que viveu e sofreu por nós, de uma vez por todas, Ele permanece para sempre, "em nosso favor, na presença de Deus" (Heb 9, 24).


                              520) Em toda a sua vida, Jesus mostra-Se como nosso modelo ( Rm 15, 5 ; Fl 2, 5): é "o homem perfeito", que nos convida a tornarmo-nos Seus discípulos e a segui-Lo; com a sua humilhação, deu-nos um exemplo a imitar ( Jo 13, 15); com a sua oração, convida-nos à oração (Lc 11, 1; Mt 5, 11-12); com a sua pobreza, incita--nos a aceitar livremente o despojamento e as perseguições.

                              521) Tudo aquilo que Cristo viveu foi para que pudéssemos viver a mesma coisa n'Ele e para que Ele vivesse isso em nós. "Pela sua Encarnação, o Filho de Deus uniu-Se, de certo modo, a cada homem". Nós somos chamados a ser um só com Ele; Ele faz-nos comungar, enquanto membros do seu corpo, em tudo o que Ele próprio viveu na sua carne por nós, e como nosso modelo:

"Devemos continuar a completar em nós os estados e mistérios da vida de Jesus e pedir-Lhe continuamente que Se digne consumá-los perfeitamente em nós e em toda a Sua Igreja [...]. Na verdade, o Filho de Deus deseja comunicar (inserir) e prolongar (manter), de certo modo, os seus mistérios em nós e em toda a sua Igreja, [...] quer pelas graças que decidiu conceder-nos, quer pelos efeitos que deseja produzir em nós, por meio destes mistérios. É neste sentido que Ele quer completá-los em nós" (S. João Eudes).


II. OS MISTÉRIOS DA INFÂNCIA E DA VIDA OCULTA DE JESUS

OS PREPARATIVOS

                              522) A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento tão grandioso, que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da "primeira Aliança" (Hb 9, 15), tudo Deus faz convergir para Cristo. Anuncia-O pela boca dos profetas que se sucedem em Israel. E, por outro lado, desperta no coração dos pagãos a obscura expectativa desta vinda.

                              523) São João Baptista é o precursor imediato do Senhor (At 13, 24), enviado para Lhe preparar o caminho (Mt 3, 3). "Profeta do Altíssimo" (Lc 1, 76), supera todos os profetas (Lc 7, 26), sendo o último deles (Mt 11,13) e inaugurando o Evangelho (At 1, 22 ; Lc 16, 16); saúda a vinda de Cristo desde o seio da sua Mãe (Lc 1, 41) e põe a sua alegria em ser "o amigo do esposo" (Jo 3, 29) que ele designa como o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo 1, 29). Precedendo Jesus "com o espírito e o poder de Elias" (Lc 1, 17), dá testemunho d'Ele pela sua pregação, pelo seu batismo de conversão e, finalmente, pelo seu martírio (Mc 6, 17-29).


                              524) Pela celebração do nascimento e martírio do Precursor (João Batista), a Igreja une-se ao seu desejo: "Ele deve crescer e eu diminuir" (Jo 3, 30). E assim sendo, ao celebrar em cada ano a Liturgia do Advento (preparação para o Natal), a Igreja atualiza esta expectativa do Messias. Comungando a longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo da sua segunda vinda (Ap 22, 17).


O MISTÉRIO DO NATAL

                              525) Jesus nasceu na humildade de um estábulo, no seio de uma família pobre (Lc 2, 6-7). As primeiras testemunhas deste acontecimento são simples pastores. E é nesta pobreza que se manifesta a glória do céu (Lc 2, 8-20). A Igreja não se cansa de cantar a glória desta noite:

"Hoje a Virgem dá à luz o Eterno e a terra oferece uma gruta ao Inacessível. Cantam-n'O os anjos e os pastores, e com a estrela os magos põem-se a caminho, porque Tu nasceste para nós, pequeno Infante. Deus eterno!" (Kontakion de Romanos le Mélode)

                              526) "Tornar-se criança" diante de Deus é a condição para entrar no Reino (Mt 18, 3-4), e para isso, é preciso esvaziar-se de si mesmo e tornar-se pequeno (Mt 23, 12; Mc 8,34-36; ver também §524 do CIC). Mais ainda: é preciso "nascer do Alto" (Jo 3, 7), "nascer de Deus" (Jo 1, 13) para se "tornar filho de Deus" (Jn 1, 12). O mistério do Natal cumpre-se em nós quando Cristo "Se forma" em nós (Gl 4, 19). O Natal é o mistério desta "admirável permuta":

"O admirabile commercium! Creator generis humani, animatum corpus sumens de Virgine nasci dignatus est; et, procedens homo sine semine, largitus est nobis suam deitatem". (Trad: Oh admirável permuta! O Criador do género humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer de uma Virgem; e, feito homem sem progenitor humano, tornou-nos participantes da sua divindade!) - (Liturgia Horarum, antifona da oitava de Natal; Lc 2, 21).


(o mistério do Natal é o início de nossa santificação)


OS MISTÉRIOS DA INFÂNCIA DE JESUS

                              527) A circuncisão de Jesus, oito dias depois do seu nascimento (Gl 4, 4), é sinal da Sua inserção na descendência de Abraão, no povo da Aliança, da Sua submissão à Lei (Cl 2, 11-13) e da Sua deputação para o culto de Israel, no qual participará durante toda a Sua vida terrena. Este sinal prefigura "a circuncisão de Cristo", que é o Batismo.

                              528) A Epifania é a manifestação de Jesus como Messias de Israel, Filho de Deus e salvador do mundo. Juntamente com o batismo de Jesus no Jordão e as bodas de Caná, a Epifania celebra a adoração de Jesus pelos "magos" vindos do Oriente (Mt 2, 1). Nesses "magos", representantes das religiões pagãs circunvizinhas, o Evangelho vê as primícias das nações, que acolhem a Boa-Nova da salvação pela Encarnação. A vinda dos magos a Jerusalém, para "adorar o rei dos judeus" (Mt 2, 2), mostra que eles procuram em Israel, à luz messiânica da estrela de Davi (Nm 24, 17; Ap 22, 16), Aquele que será o Rei de todas as nações (Nm 24, 17-19). A sua vinda significa que os pagãos não podem descobrir Jesus e adorá-Lo como Filho de Deus e Salvador do mundo, senão voltando-se para os Judeus e recebendo deles a sua promessa messiânica, tal como está contida no Antigo Testamento (Jo 4, 22; Mt 2, 4-6). A Epifania manifesta que "todos os povos entram na família dos patriarcas" ( S. Leão Magno) e adquire a "israelitica dignitas" (dignidade israelita)– a dignidade própria do povo eleito (Missale Romanum, Vigilia Pascal 26).


(Sede santos - Banda Vida Reluz)

                              529) A apresentação de Jesus no templo (Lc 2, 22-39) mostra-O como Primogénito que pertence ao Senhor (Ex 13, 12-13). Com Simeão e Ana, é toda a expectativa de Israel que vem ao encontro do seu Salvador (a tradição bizantina designa por encontro este acontecimento). Jesus é reconhecido como o Messias tão longamente esperado, "Luz das nações" e "Glória de Israel", mas também como "sinal de contradição". A espada de dor, predita a Maria, anuncia essa outra oblação (perfeita e única) da cruz, que trará a salvação que Deus "preparou diante de todos os povos".

                              530) A fuga para o Egito e o massacre dos Inocentes (Mt 2, 13-18) manifestam a oposição das trevas à luz: "Ele veio para o que era Seu, mas os Seus não O receberam" (Jo 1, 11). Toda a vida de Cristo decorrerá sob o signo da perseguição. Os "Seus" partilham-na com Ele (243). A Sua volta do Egito (Mt 2, 15) lembra o Êxodo (Os 11, 1) e apresenta Jesus como o libertador definitivo.


OS MISTÉRIOS DA VIDA OCULTA DE JESUS

                              531) Durante a maior parte de sua vida, Jesus compartilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida cotidiana. Sem grandeza aparente, vida de trabalho manual, vida religiosa judaica submetida à Lei de Deus (Ga 4, 4), vida na comunidade. De todo este período nos é revelado que Jesus era "submisso" a seus pais (Lc 2, 51-52) e que "crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens" (Lc 2,52).

                              532) A submissão de Jesus à sua Mãe (Virgem Maria) e ao seu pai adotivo (São José) cumpre com perfeição o quarto mandamento. Ela é a imagem temporal de sua obediência filial a seu Pai celeste. A submissão diária de Jesus a José e a Maria anunciava e antecipava a submissão da Quinta-feira Santa: "Não a minha vontade..." (Lc 22,42). A obediência de Cristo, no cotidiano de Sua vida "oculta", inaugurava já a obra de recuperação daquilo que a desobediência de Adão havia destruído (Rm 5, 19).

                              533) A "vida oculta" de Nazaré permite a todo homem estar unido a Jesus nos caminhos mais cotidianos da vida:

"Nazaré é a escola na qual se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho... Primeiramente, uma lição de silêncio. Que nasça em nós a estima do silêncio, esta admirável e indispensável condição do espírito... Uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza austera e simples, seu caráter sagrado e inviolável... Uma lição de trabalho. Nazaré, ó casa do "Filho do Carpinteiro", é aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei severa e redentora do trabalho humano...; assim como gostaríamos finalmente de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu Irmão divino." (Paulo VI, Alocução na igreja da Anunciação à bem-aventurada Virgem Maria em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964)


                              534) O reencontro de Jesus no Templo (Lc 2, 41-52) é o único acontecimento que rompe o silêncio dos Evangelhos sobre os "anos ocultos" (desconhecidos) de Jesus. Nele Jesus deixa entrever o mistério de sua consagração total a uma missão decorrente de sua filiação divina: "Não sabíeis que devo ocupar-me com as coisas de meu Pai?" (Lc 2,49). Maria e José "não compreenderam" esta palavra, mas a acolheram na fé, e Maria "guardava a lembrança de todos esses fatos em seu coração" (Lc 2,51), ao longo dos anos em que Jesus permanecia mergulhado no silêncio de uma vida ordinária.

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