segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Catecismo - Parte XV

PRIMEIRA PARTE - SEGUNDA SEÇÃO: A PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ - OS SÍMBOLOS DA FÉ

CAPITULO II - ARTIGO 4


"JESUS CRISTO PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS, FOI CRUCIFICADO, MORTO E SEPULTADO"

                              571) O mistério pascal da Cruz e da Ressurreição de Cristo está no centro da Boa Nova que os apóstolos e a Igreja, na esteira deles, devem anunciar ao mundo. O projeto salvador de Deus realizou-se "uma vez por todas" (Hb 9,26) pela morte redentora de seu Filho, Jesus Cristo.

                              572) A Igreja permanece fiel à "interpretação de todas as Escrituras" dada por Jesus mesmo antes e também depois de sua Páscoa (Lc 24, 26-27 e 44-45). "Não era preciso que Cristo sofresse tudo isso e entrasse em sua glória?" (Lc 24,26). Os sofrimentos de Jesus tomaram sua forma histórica concreta pelo fato de Ele ter sido "rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas" (Mc 8,31), que o "entregarão aos gentios para ser escarnecido, açoitado e crucificado" (Mt 20,19).

                              573) A fé pode, pois, tentar perscrutar as circunstâncias da Morte de Jesus, transmitidas fielmente pelos Evangelhos e iluminadas por outras fontes históricas, para melhor compreender o sentido da Redenção.

PARÁGRAFO I - JESUS E ISRAEL

                              574) Desde o início do ministério público de Jesus, fariseus e adeptos de Herodes, com sacerdotes e escribas, mancomunaram-se para matá-lo (Mc 3, 6). Por causa de certos atos por ele praticados, como expulsão de demônios (Mt 12, 24), perdão dos pecados (Mc 2, 7), curas em dia de sábado (Mc 3, 1-6), interpretação original dos preceitos de pureza da Lei (Mc 7,14-2), familiaridade com os publicanos e com pecadores públicos (Mc 2, 14-17), Jesus pareceu suspeito de possessão demoníaca a alguns mal-intencionados (Mc 3,22; Jo 8,48; 10, 20). Ele é acusado de blasfêmia (Mc 2, 7 ; Jo 5, 18 ; 10, 33) e de falso profetismo (Jo 7, 12 ; 7, 52), crimes religiosos que a Lei punia com a pena de morte sob forma de apedrejamento (Jo8, 59 ; 10, 31).


                              575) Muitos atos e palavras de Jesus constituíram, portanto, um sinal de contradição (Lc 2,34) para as autoridades religiosas de Jerusalém – que o Evangelho de São João com freqüência denomina "os judeus" (Jo 1, 19 ; 2, 18 ; 5, 10 ; 7, 13 ; 9, 22 ; 18, 12 ; 19, 38 ; 20, 19) – mas ainda do que para o comum do povo de Deus (Jo 7, 48-49). Sem dúvida, suas relações com os fariseus não foram exclusivamente polêmicas. São os fariseus que o previnem do perigo que corre (Lc 13, 31). Jesus elogia alguns deles, como o escriba de Mc 12,34, e repetidas vezes come com fariseus (Lc 7, 36 ; 14, 1). Jesus confirma doutrinas compartilhadas por essa elite religiosa do povo de Deus: a ressurreição dos mortos (Mt 22, 23-34; Lc 20, 39), as formas de piedade (esmola, jejum e oração - Mt 6, 18) e o hábito de dirigir-se a Deus como Pai, a centralidade do mandamento do amor a Deus e ao próximo (Mc 12, 28-34).

                              576) Aos olhos de muitos, em Israel, Jesus parece agir contra as instituições essenciais do Povo eleito:

                              -> a submissão à Lei na integralidade de seus preceitos escritos e, para os fariseus, na interpretação da tradição oral;

                              -> a centralidade do Templo de Jerusalém como lugar santo, em que Deus habita de forma privilegiada;

                              -> a fé no Deus único, cuja glória nenhum homem pode compartilhar.

I. Jesus e a Lei

                              577) Jesus fez uma advertência solene no começo do Sermão da Montanha, em que apresentou a Lei dada por Deus no Sinai por ocasião da Primeira Aliança à luz da graça da Nova Aliança:
"Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido um só 'i', uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado. Aquele, portanto, que violar um só destes menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo será chamado o menor no Reino dos Céus; aquele, porém, que os praticar e os ensinar, esse será chamado grande no Reino dos Céus." (Mt 5,17-19)

                              578) Jesus, o Messias de Israel, portanto o maior no Reino dos Céus, tinha a obrigação de cumprir a Lei, executando-a em sua integridade até seus mínimos preceitos, segundo suas próprias palavras. Ele é o único que conseguiu cumpri-la com perfeição (Jo 8, 46). Os judeus, conforme sua própria confissão, nunca conseguiram cumprir a Lei em sua integridade sem violar-lhe o mínimo preceito (Jn 7, 19 ; At 13, 38-41 ; 15, 10). Esta é a razão pela qual, em cada festa anual da Expiação, os filhos de Israel pedem a Deus perdão por suas transgressões à Lei. Com efeito, a Lei constitui um todo e, como recorda São Tiago, "aquele que guarda toda a Lei, mas desobedece a um só ponto, torna-se culpado da transgressão da Lei inteira" (Tg 2,10; Gl 3, 10; Gl 5, 3).

                              579) Esse princípio da integralidade da observância da Lei, não somente em sua letra, mas em seu espírito, era caro aos fariseus. Tomando-o extensivo a Israel, levaram muitos judeus do tempo de Jesus a um zelo religioso extremo(Rm 10, 2). Este zelo extremo, se não quisesse envolver-se em uma casuística "hipócrita" (Mt 15, 3-7 ; Lc 11, 39-54), só podia preparar o povo para essa intervenção inaudita de Deus que será o cumprimento perfeito da Lei exclusivamente pelo Justo em lugar de todos os pecadores (Is 53, 11 ; Hb 9, 15).


                              580) O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do Legislador divino nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho (Gl 4, 4). Em Jesus, a Lei não aparece mais gravada nas tábuas de pedra, mas "no fundo do coração" (Jr 31,33) do Servo, o qual, pelo fato de "trazer fielmente o direito" (Is 42,3), se tornou "a Aliança do povo" (Is 42,6). Jesus cumpriu a Lei até o ponto de tomar sobre si "a maldição da Lei” (Gl 3,13), "in quod illi incurrerant qui non permanent in omnibus, quae scripta sunt, ut faciant ea" (trad.: na qual incorrerreram aqueles que não praticam todos os preceitos da mesma - Gl 3,10), pois “a morte de Cristo aconteceu para resgatar as transgressões cometidas no Regime da Primeira Aliança." (Hb 9, 15).

                              581) Jesus apareceu aos olhos dos judeus e de seus chefes espirituais como um "rabi" (Jo 11, 38 ; 3, 2 ; Mt 22, 23-24. 34-36). Com frequência argumentou na linha da interpretação rabínica da Lei (Mt 12, 5 ; 9, 12 ; Mc 2, 23– 27 ; Lc 6, 6-9 ; Jn 7, 22-23). Mas, ao mesmo tempo, Jesus só podia chocar os doutores da Lei, já que não se contentava em propor sua interpretação em pé de igualdade com as deles, já que "ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os escribas" (Mt 7,28-29). Ele é a mesma Palavra de Deus que tinha ressoado no Sinai para a Moisés a Lei escrita, que se faz ouvir novamente sobre o Monte das Bem-aventuranças (Mt 5, 1). Ela não abole a Lei, mas a cumpre, fornecendo de modo divino a interpretação última dela: "Aprendestes o que foi dito aos antigos... eu, porém, vos digo" (Mt 5,33-34). Com esta mesma autoridade divina, Ele desabona certas "tradições humanas" (Mc 7, 8) dos fariseus que "invalidavam a Palavra de Deus" (Mc 7, 13).

                              582) Indo mais longe, Jesus cumpre a Lei a respeito da pureza dos alimentos, tão importante na vida diária judaica, revelando o sentido “pedagógico" dela (Gl 3, 24) por uma interpretação divina: "Tudo o que de fora, entrando no homem, não pode torná-lo impuro..." assim declarava puros todos os alimentos. "O que sai do homem, é isto que o torna impuro. Pois é de dentro, do coração dos homens, que saem as intenções malignas" (Mc 7,18-21). Ao dar com autoridade divina a interpretação definitiva da Lei, Jesus acabou confrontando-se com certos doutores da Lei que não aceitavam a interpretação da Lei dada por Jesus, apesar de garantida pelos sinais divinos que a acompanhavam (Jo 5, 36 ; 10, 25. 37-38 ; 12, 37). Isto vale particularmente para a questão do sábado: Jesus lembra, muitas vezes com argumentos rabínicos (Mc 2, 25-27 ; Jo 7, 22-24), que o descanso do sábado não é lesado pelo serviço de Deus (Mt 12, 5 ; Nm 28, 9) ou do próximo (Lc 13, 15-16 ; 14, 3-4), executado por meio das curas operadas por Ele.



II. Jesus e o Templo

                              583) Jesus, como os profetas anteriores a Ele, teve pelo Templo de Jerusalém o mais profundo respeito. Nele foi apresentado por José e Maria quarenta dias após seu nascimento (Lc 2, 22-39). Com doze anos, decide ficar no Templo para lembrar a seus pais que deve dedicar-se às coisas de seu Pai (Lc 2, 46-49). Durante os anos de sua vida oculta, subiu ao Templo a cada ano, no mínimo por ocasião da Páscoa (Lc 2, 41); até seu ministério público foi ritmado por suas peregrinações a Jerusalém para as grandes festas judaicas (Jo 2, 13-14 ; 5, 1. 14 ; 7, 1. 10. 14 ; 8, 2 ; 10, 22-23).

                              584) Jesus subiu ao Templo como lugar privilegiado de encontro com Deus. O Templo é para ele a morada de seu Pai, uma casa de oração, e se indigna pelo fato de seu átrio externo ter-se tornado um lugar de comércio (Mt 21, 13). Se expulsa os vendilhões do Templo, é por amor zeloso a seu Pai. "Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio. Seus discípulos lembram-se do que está escrito: 'O zelo por tua casa me devorará' (Sl 69)” (Jo 2,16-17). Depois de sua Ressurreição, os apóstolos mantiveram um respeito religioso pelo Templo (At 2, 46 ; 3, 1 ; 5, 20. 21 ; etc).


                              585) Contudo, no limiar de sua Paixão, Jesus anunciou a ruína desse esplêndido edifício, do qual não restará mais pedra sobre pedra (Mt 24, 1-2). Há aqui o anúncio de um sinal dos tempos finais que vão abrir-se com sua própria Páscoa (Mt 24, 3 ; Lc 13, 35). Esta profecia, porém, pode ser relatada de modo deformado por testemunhas falsas no momento do interrogatório de Jesus diante do sumo sacerdote (Mc 14, 57-58), sendo-lhe atribuída como injúria quando Ele foi pregado à cruz (Mt 27, 39-40).

                              586) Longe de ter sido hostil ao Templo (Mt 8, 4 ; 23, 21 ; Lc 17, 14 ; Jo 4, 22), local em que aliás, ministrou o essencial de seu ensinamento (Jo 18, 20), Jesus fez questão de pagar o imposto do Templo, associando a este ato Pedro (Mt 17, 24-27), que acabara de estabelecer como fundamento para sua Igreja futura (Mt 16, 18). Mais ainda: identificou-se com o Templo ao apresentar-se como a morada definitiva de Deus entre os homens (Jo 2, 21 ; Mt 12, 6). Eis por que sua morte corporal decretada ( Jo 2, 18-22) anuncia a destruição do Templo, (destruição) que manifestará a entrada em uma nova era da História da Salvação: "Vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai" (Jo 4,21; Jo 4, 23-24; Mt 27, 51; He 9, 11; Ap 21, 22)

III. Jesus e a fé de Israel no Deus Único e Salvador

                              587) Se a Lei e o Templo de Jerusalém puderam ser ocasião de "contradição” (Lc 2, 34) da parte de Jesus para as autoridades religiosas de Israel, foi o papel dele na redenção dos pecados, obra divina por excelência, que constituiu para elas a verdadeira pedra de escândalo (Lc 20, 17-18 ; Ps 118, 22).

                              588) Jesus escandalizou os fariseus ao comer com os publicanos e os pecadores (Lc 5, 30) com a mesma familiaridade com que comia com eles (Lc 7, 36; 11, 37 ; 14, 1). Contra os que, dentre os fariseus, estavam "convencidos de serem justos e desprezavam os outros" (Lc 18,9; Jo 7, 49 ; 9, 34), Jesus afirmou: "Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento" (Lc 5,32). Foi mais longe ao proclamar diante dos fariseus que os que pretendem não necessitar de salvação estão cegos para sua própria cegueira (Jo 9, 40-41), sendo o pecado universal (Jo 8, 33-36).

                              589) Jesus escandalizou sobretudo porque identificou sua conduta misericordiosa para com os pecadores com a atitude do próprio Deus para com eles (Mt 9, 13; Os 6, 6). Chegou ao ponto de dar a entender que, partilhando a mesa dos pecadores (Lc 15, 1-2), os estava admitindo ao banquete messiânico (Lc 15, 23-32). Mas foi particularmente ao perdoar os pecados que Jesus deixou as autoridades religiosas de Israel diante de um dilema. Foi isto que disseram com razão, cheios de espanto: "Só Deus pode perdoar os pecados" (Mc 2,7). Ao perdoar os pecados, ou Jesus blasfema - pois é um homem que se iguala a Deus (Jo 5, 18 ; 10, 33) -, ou diz a verdade, e sua pessoa torna presente e revela o Nome de Deus (Jo 17, 6. 26).

                              590) Somente a identidade divina da pessoa de Jesus pode justificar uma exigência tão absoluta quanto esta: "Aquele que não está coMigo está contra Mim" (Mt 12,30); assim, também, quando diz que Nele está "mais do que Jonas... mais do que Salomão" (Mt 12,41-42), "mais do que o Templo" (Mt 12, 6); ou quando lembra, referindo-se a Si mesmo, que Davi chamou o Messias de seu Senhor (Mt 12, 36. 37), ao a firmar "Antes que Abraão fosse, Eu Sou" (Jo 8,58); e até "Eu e o Pai somos um" (Jo 10,30).

                              591) Jesus pediu às autoridades religiosas de Jerusalém que cressem Nele por causa das obras de Seu Pai que Ele realiza (Jo 10, 36-38). Tal ato de fé tinha de passar, no entanto, por uma misteriosa morte de Si mesmo em vista de um novo "nascimento do alto" (Jo 3, 7), sob o impulso da graça divina (Jo 6, 44). Essa exigência de conversão ante um cumprimento tão surpreendente das promessas (Is 53, 1) permite compreender o trágico desprezo do sinédrio ao estimar que Jesus merecia a morte como blasfemo (Mc 3, 6; Mt 26, 64-66). Seus membros agiam assim por "ignorância" (Lc 23, 34; At 3, 17-18) e ao mesmo tempo pelo “endurecimento" (Mc 3, 5 ; Rm 11, 25) da "incredulidade" (Rm 11, 20).



RESUMINDO

                              592) Jesus não aboliu a Lei do Sinai, mas a cumpriu (Mt 5, 17-19) com tal perfeição (Jo 8, 46) que revela seu sentido último (Mt 5, 33) e resgata as transgressões contra ela (Hb 9, 15).

                              593) Jesus venerou o Templo, subindo a ele nas festas judaicas de peregrinação, e amou com amor cioso esta morada de Deus entre os homens. O Templo prefigura seu próprio mistério. Se anuncia a destruição do Templo, é como manifestação de sua própria morte e da entrada em uma nova era da História da Salvação, na qual seu Corpo será o Templo definitivo.

                              594) Jesus realizou atos como o perdão dos pecados – que o manifestaram como o próprio Deus Salvador (Jo 5, 16-18). Alguns judeus, não reconhecendo o Deus feito homem (Jo 1, 14) e vendo Nele apenas um homem que se faz Deus (Jo 10, 33), julgaram-no blasfemo.

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